O resistente de Vale do Grou

António Mexia foi um dos quatro habitantes que ficaram na terra desertificada pela emigração

O resistente de Vale do Grou


O ar puro e a vida sem stress são as vantagens de viver numa aldeia como Vale do Grou, esvaziada de habitantes pela emigração e onde ainda não chegaram muitos sinais dos tempos modernos.







É num pequeno vale entalado entre as serras de Alfeijoeira e Cabeça Gorda, no concelho de Mação, que António Mexia tem passado toda a sua vida. Nasceu na aldeia de Sanguinheira e com 25 anos, quando se casou, mudou-se para a aldeia vizinha de Vale do Grou, também na freguesia de Envendos. António Mexia é o rosto do isolamento e das dificuldades de viver num território pobre.

Com as mãos gretadas pelo frio vai cortando com um serrote os rebentos dumas oliveiras numa pequena horta na periferia da aldeia, onde só se consegue chegar de tractor devido ao mau estado do caminho. Em redor só se vêem árvores queimadas, o manto verde das ervas e céu, ora azul ora cinzento ameaçando chuva. É neste cenário que António sempre viveu.

Nunca saiu da terra nem quando toda a gente emigrava para França ou fugia para as localidades vizinhas em busca de emprego. Coisa difícil de alcançar por aquelas bandas. António Mexia resistiu e nem o facto de chagar a ter apenas a companhia de mais três pessoas na aldeia o fez procurar outras paragens. Até os seus seis irmãos emigraram.

Não gosta de falar das dificuldades pelas quais passou. Mas lá vai dizendo que trabalhava de sol a sol. Era resineiro. A recolha da resina dos pinheiros do concelho era das poucas ocupações que se podia ter por aquelas bandas. António poupou os tostões que ia ganhando e conseguiu ir comprando alguns terrenos, fonte de sustento da família. “Quem não era resineiro ou proprietário tinha que sair”, lembra.

Os muitos incêndios que fustigam o concelho já lhe roubaram a fonte de rendimento. Nas 20 pequenas propriedades não ficou com uma única árvore de pé.

No Vale do Grou parece que nada mudou. A escola há muito que está fechada. António Mexia ainda lá fez a terceira classe. Só há na aldeia um adolescente com 15 anos, que anda a estudar na sede de concelho. A população residente não ultrapassa as trinta pessoas, quase todas reformadas e que foram regressando depois de anos a trabalhar fora.

Por ali não há teatros, centros comerciais. O tempo passa-se a jogar às cartas no café ou a tratar das hortas. Até a estrada de acesso à aldeia, a cerca de dez quilómetros de Mação, parece de outros tempos. Cheia de curvas, estreita.

António Mexia só foi uma vez ao teatro quando fez a tropa em Abrantes. Só há pouco tempo foi à descoberta de outras terras no país, em excursões. “Antigamente o mais longe que ia era a Mação tratar de papéis”, recorda.

Mas o que leva uma pessoa a passar uma vida no meio de nada, onde o pouco que há de bom é a floresta e o ar puro? Porque até o solo não presta - “para a agricultura é muito pouco fértil”. É a ligação às pessoas. A afectividade. Os horizontes encurtados pelas serras que não deixam ver mais além.

“O que isto tem de bom é o ar puro e poder andar à vontade. Não temos aquelas coisas das cidades que se chama stress”, justifica, acrescentando que quase tudo o que se come às refeições é cultivado pelos habitantes.

“Estamos no isolamento quase total. Se não fosse a televisão não sabíamos o que se passa no país nem no nosso distrito. Mas gostamos de viver aqui. É o nosso pedaço de vida”, concluiu.