Amigos, sabem, vamos de crença em crença, de experiência em experiência, esperando e procurando alguma compreensão permanente que nos confira iluminação, sabedoria; e assim esperamos também descobrir por nós próprios o que é a verdade. Portanto começamos a procurar a verdade, Deus, ou a vida. Ora para mim, esta própria busca da verdade é uma negação dela, porque essa vida eterna, essa verdade, só pode ser compreendida quando a mente e o coração estão libertos de todas as ideias, de todas as doutrinas, de todas as crenças, e quando compreendermos a verdadeira função da individualidade.
Eu afirmo que existe uma vida eterna que conheço e da qual falo, mas não se pode compreendê-la procurando-a. O que é então a nossa busca? É apenas uma fuga dos nossos sofrimentos, confusões, conflitos diários; uma fuga da nossa confusão do amor no qual há uma batalha constante de posse, de ciúme; uma fuga da luta constante pela existência. Portanto dizemos para nós próprios, “Se eu puder compreender o que é a verdade, se puder descobrir o que é Deus, então compreenderei e conquistarei a confusão, a luta, a dor, as inúmeras batalhas da escolha. Deixa-me por isso descobrir o que é, e compreendendo isso, compreenderei a vida quotidiana em que há tanto sofrimento.” Para mim a compreensão da verdade não reside na procura dela; reside na compreensão do significado correcto de todas as coisas; o significado completo da verdade está no momentâneo, e não separado dele.
Portanto a nossa procura da verdade é apenas uma fuga. A nossa busca e interrogação, o nosso estudo de filosofias, a nossa imitação de sistemas éticos e a nossa contínua procura às apalpadelas daquela realidade que eu afirmo que existe, são apenas modos de fuga. Compreender essa realidade é compreender a causa dos nossos variados conflitos, lutas, sofrimentos; mas através do desejo de fugir desses conflitos, edificamos muitas maneiras subtis de evitar o conflito, e refugiamo-nos nelas. Assim, a verdade torna-se apenas um outro refúgio no qual a mente e o coração podem obter conforto
Ora a própria ideia de conforto é um impedimento; essa mesma concepção da qual retiramos consolo é apenas uma evasão do conflito da vida diária. Durante séculos temos construído avenidas de fuga, tais como a autoridade; pode ser a autoridade dos padrões sociais, ou a da opinião pública, ou a das doutrinas religiosas; pode ser um padrão externo, como o que as pessoas mais instruídas estão actualmente a abandonar, ou um padrão interno, como o que se cria ao abandonar o externo. Mas uma mente que tem consideração pela autoridade, isto é, uma mente que aceita sem questionar, uma mente que imita, não pode compreender a liberdade da vida. Portanto, embora tenhamos edificado através dos séculos passados esta autoridade que nos confere pacificação momentânea, consolo momentâneo, conforto transitório, essa autoridade tornou-se apenas na nossa fuga. Do mesmo modo, a imitação – a imitação de padrões, a imitação de um sistema ou método de viver; para mim, isto é também um impedimento. E a nossa procura de certeza é apenas um modo de fuga; queremos ter a certeza, as nossas mentes desejam manter-se fiéis às certezas, para que, a partir desse pano de fundo, possamos olhar para a vida, desse abrigo possamos seguir em frente.
Ora para mim, todos estes são obstáculos que impedem essa acção natural, espontânea, que por si só liberta a mente e o coração para que o homem possa viver harmoniosamente, para que o homem possa compreender a verdadeira função da individualidade.
Quando sofremos procuramos certezas, queremos voltar-nos para valores que nos dêem conforto – e esse conforto é apenas memória. Então novamente entramos em contacto com a vida, e novamente experimentamos sofrimento. Portanto pensamos que aprendemos do sofrimento, que colhemos compreensão do sofrimento. Uma crença ou uma ideia ou uma teoria dão-nos satisfação momentânea quando sofremos, e a partir desta satisfação pensamos que compreendemos ou colhemos compreensão dessa experiência. Assim continuamos de sofrimento em sofrimento, aprendendo como ajustar-nos às situações externas. Isto é, não compreendemos o movimento real do sofrimento; apenas nos tornamos cada vez mais engenhosos e subtis nas nossas formas de proceder com o sofrimento. Esta é a superficialidade da civilização e cultura modernas: propõem-se muitas teorias, muitas explicações do nosso sofrimento, e nestas explicações e teorias nos refugiamos, indo de experiência em experiência, sofrendo, aprendendo, e esperando encontrar sabedoria através de tudo isto.
Assevero que a sabedoria não é para ser comprada. A sabedoria não reside no processo de acumulação; não é o resultado de inumeráveis experiências; não se adquire através da aprendizagem. A sabedoria, a própria vida, só pode ser compreendida quando a mente estiver liberta do sentido de procura, desta procura de conforto, desta imitação, porque estas são apenas as maneiras de fuga que temos cultivado ao longo dos séculos. Se examinarem a nossa estrutura de pensamento, de emoção, de toda a nossa civilização, verão que é apenas um processo de fuga, um processo de conformidade. Quando sofremos, a nossa reacção imediata é o desejo de alívio, de consolo, e aceitamos as teorias oferecidas sem descobrir a causa do nosso sofrimento; isto é, estamos momentaneamente satisfeitos, vivemos superficialmente, e portanto não descobrimos profundamente por nós próprios qual é a causa do nosso sofrimento.
Deixem-me pôr isto de outra forma: embora tenhamos experiências, estas experiências não nos mantêm despertos, mas antes nos adormecem, porque as nossas mentes e corações foram treinados durante gerações a imitar apenas, a conformar-se. Afinal, quando há qualquer tipo de sofrimento, não devemos contar com esse sofrimento para nos ensinar, mas antes para nos manter totalmente despertos, para que possamos enfrentar a vida com consciência completa – não nesse estado de semi-consciência em que quase todos os seres humanos enfrentam a vida.
Esclarecerei isto novamente, para que me possa tornar mais claro; porque se compreenderem isto, naturalmente compreenderão o que vou dizer.
Eu afirmo que a vida não é um processo de aprendizagem, de acumulação. A vida não é uma escola na qual aprovam os exames sobre o que aprenderam, o que aprenderam das experiências, das acções, do sofrimento. A vida destina-se a ser vivida, não a que se instruam com ela. Se considerarem a vida como algo a partir do qual têm que aprender, apenas agem superficialmente. Isto é, se a acção, se a vida diária, é apenas um meio para uma recompensa, para uma finalidade, então a acção em si não tem qualquer valor. Ora quando têm experiências, dizem que têm que aprender com elas, compreendê-las. Por isso a experiência em si não tem para vocês qualquer valor porque estão à procura de uma obtenção através do sofrimento, através da acção, através da experiência. Mas para compreender completamente a acção, que para mim é o êxtase da vida, o êxtase que é imortalidade, a mente tem que se libertar da ideia de aquisição, da ideia de aprender através da experiência, através da acção. Ora ambos, mente e coração, estão aprisionados por esta ideia de aquisição, esta ideia de que a vida é um meio para algo mais. Mas quando virem a falsidade desta concepção, já não tratarão o sofrimento como um meio para um fim. Então já não se confortarão com ideias, com crenças; já não se refugiarão em padrões de pensamento ou sentimento; começam então a estar totalmente despertos, não com o objectivo de ver o que podem obter com isso, mas para inteligentemente libertar a acção da imitação e da busca de uma recompensa. Isto é, vêem o significado da acção, e não apenas qual o lucro que lhes trará. Ora a maioria das mentes estão aprisionadas na ideia de aquisição, de procura de uma recompensa. O sofrimento vem para os despertar para esta ilusão, para os despertar do vosso estado de semi-consciência, mas não para lhes dar uma lição. Quando a mente e o coração agem com um sentido de dualidade, criando assim os opostos, tem que haver conflito e sofrimento. O que acontece quando sofrem? Imediatamente procuram alívio, seja na bebida ou na diversão ou na ideia de Deus. Para mim, tudo isto é o mesmo, porque são apenas meras avenidas de evasão que a mente subtil idealizou, fazendo do sofrimento uma coisa superficial. Por isso eu digo, tornem-se completamente conscientes das vossas acções, sejam elas quais forem; perceberão então como a vossa mente está continuamente a encontrar uma fuga; verão que não estão a confrontar as experiências completamente, com todo o vosso ser, mas apenas parcialmente, semi-conscientemente.
Construímos muitos obstáculos que se tornaram refúgios nos quais nos abrigamos no momento da dor. Estes refúgios são apenas evasões e por isso sem qualquer valor inerente em si próprios. Mas para descobrir estes refúgios, que nos dominam e nos aprisionam, não devemos tentar analisar as acções que brotam deles. Para mim, a análise é a própria negação da acção completa. Não se pode compreender um obstáculo pela sua análise. Não há compreensão na análise de uma experiência passada, porque ela está morta; só há compreensão na acção viva do presente. Por isso a auto-análise é destrutiva. Mas descobrir as inumeráveis barreiras que os rodeiam é tornarem-se totalmente conscientes, é darem-se conta de qualquer acção que está a acontecer à vossa volta, ou do que quer que estejam a fazer. Então todos os impedimentos passados, tais como a tradição, a imitação, o medo, as reacções defensivas, o desejo de segurança, de certezas – tudo isto entra em actividade; e só naquilo que é activo há compreensão. Nesta chama da consciência, a mente e o coração libertam-se de todos os obstáculos, de todos os falsos valores; então há libertação na acção, e essa libertação é a liberdade da vida que é imortalidade.
Pergunta: É somente a partir da dor e do sofrimento que se desperta para a realidade da vida?
Krishnamurti: O sofrimento é a coisa com que estamos mais familiarizados, com o que estamos constantemente a viver. Conhecemos o amor e a sua alegria, mas na sua sequela seguem-se muitos conflitos. Seja o que for que nos dê o choque maior a que chamamos sofrimento, manter-nos-á despertos para enfrentar a vida completamente, ajudar-nos-á a descartar as muitas ilusões que criamos em nosso redor. Não é só o sofrimento ou o conflito que nos mantêm despertos, mas qualquer coisa que nos dê um choque, que nos faça questionar todos os falsos padrões e valores que criamos à nossa volta na nossa procura de segurança. Quando sofrem enormemente, tornam-se integralmente conscientes, e nessa intensidade de consciência descobrem os verdadeiros valores. Isto liberta a mente de criar mais ilusões.
Pergunta: Porque é que tenho medo da morte? E o que está para além da morte?
Krishnamurti: Penso que uma pessoa tem medo da morte porque sente que não viveu. Se for um artista, pode ter medo que a morte o leve antes de ter finalizado o seu trabalho; tem medo porque não se realizou. Ou se for um homem de vida comum, sem capacidades especiais, tem medo porque também não se realizou. Você diz, “Se me cortarem a minha realização, o que resta? Como eu não compreendo esta confusão, esta labuta, esta escolha e conflito incessantes, existirá uma oportunidade ulterior para mim?” Tem medo da morte quando não se realiza na acção; isto é, tem medo da morte quando não enfrenta a vida integralmente, completamente, com plenitude da mente e com sentimentos verdadeiros. Por isso, a questão não é porque tem medo da morte, mas antes, o que o impede de enfrentar a vida na íntegra. Tudo tem que morrer, tem que se gastar. Mas se tiver a compreensão que lhe permita enfrentar a vida integralmente, então nisso haverá vida eterna, imortalidade, nem princípio nem fim, e não há medo da morte. Novamente, a questão não é como libertar a mente do medo da morte, mas como enfrentar a vida integralmente, como enfrentar a vida para que haja realização.
Para enfrentar a vida na íntegra deve-se estar livre de todos os valores defensivos. Mas as nossas mentes e os nossos corações estão sufocados com tais valores, que tornam a nossa acção incompleta, e por isso existe o medo da morte. Para encontrar o valor verdadeiro, para se libertarem deste contínuo medo da morte, e do problema da vida após a morte, têm que conhecer a verdadeira função do indivíduo, tanto no criativo como no colectivo.
Agora quanto à segunda pergunta: O que está para além da morte? Existe uma vida após a morte? Sabem porque é que uma pessoa geralmente faz tais perguntas, porque quer saber o que está no outro lado? Ela pergunta porque não sabe como viver o presente; está mais morta que viva. Ela diz, “Deixa-me descobrir o que vem depois da morte”, porque não tem a capacidade de compreender este eterno presente. Para mim, o presente é eternidade; a eternidade reside no presente, não no futuro. Para para quem assim se interroga a vida tem sido toda uma série de experiências sem realização, sem compreensão, sem sabedoria. Por isso para ele a vida após a morte é mais atraente que o presente, e por isso as inumeráveis perguntas sobre o que está para além. O homem que se interroga sobre a vida após a morte já está morto. Se viverem no eterno presente, a vida após a morte não existe; então a vida não é dividida em passado, presente e futuro. Então há apenas plenitude, e aí há o êxtase da vida.
Pergunta: Acha que a comunicação com os espíritos dos mortos é uma ajuda para a compreensão da vida na sua totalidade?
Krishnamurti: Porque deveria pensar que os mortos são mais prestáveis que os vivos? Porque os mortos não o podem contradizer, não se lhe podem opor, ao passo que os vivos podem. Na comunicação com os mortos você pode ser fantasista; por isso conta mais com os mortos que com os vivos para o ajudarem. Para mim, a questão não é se há vida para além daquilo a que chamamos morte; para mim, tudo isso é irrelevante. Algumas pessoas dizem que se pode comunicar com os espíritos dos mortos; outras, que não se pode. Para mim, a discussão parece de muito pouco valor; porque para compreender a vida com as suas velozes deambulações, com a sua sabedoria, não pode contar com outros para que o libertem das ilusões que você criou. Nem os mortos nem os vivos o podem libertar das suas ilusões. Só no interesse desperto pela vida, na constante vigilância da mente e do coração, existe o viver harmonioso, existe a realização, a riqueza da vida.
Pergunta: Qual é a sua opinião relativamente ao problema do sexo e do ascetismo à luz da presente crise social?
Krishnamurti: Não olhemos para este problema, se me permitem a sugestão, do ponto de vista da situação actual, porque as situações estão constantemente a mudar. Vamos antes considerar o problema em si; porque se compreenderem o problema, então a crise actual também pode ser compreendida.
O problema do sexo, que parece perturbar tanta gente, surgiu porque perdemos a chama da criatividade, esse viver harmonioso. Tornámo-nos apenas máquinas imitativas; fechámos as portas ao pensamento e à emoção criativos; conformamo-nos constantemente; estamos limitados pela autoridade, pela opinião pública, pelo medo, e somos assim confrontados com este problema do sexo. Mas se a mente e o coração se libertarem do sentido de imitação, dos falsos valores, do exagero do intelecto, e assim libertarem a sua própria função criativa, então o problema não existe. Tornou-se grande (o problema) porque gostamos de nos sentir seguros, porque pensamos que a felicidade reside no sentido de posse. Mas se compreendermos o verdadeiro significado da posse, e a sua natureza ilusória, então a mente e o coração ficam libertos tanto da posse como da não-posse.
Assim é também quanto à segunda parte da pergunta que diz respeito ao ascetismo. Sabem, nós pensamos que quando somos confrontados com um problema – neste caso, o problema da posse – podemos resolvê-lo e compreendê-lo indo para o seu oposto. Eu venho de um país em que o ascetismo nos está no sangue. O clima encoraja o hábito. A Índia é quente, e ali é muito melhor ter muito poucas coisas, sentarmo-nos à sombra de uma árvore e discutir filosofia, ou retirarmo-nos inteiramente da vida dolorosa e conflituosa, irmos para os bosques meditar. A questão do ascetismo também surge quando se é escravo da posse.
O ascetismo não tem valor inerente. Quando se pratica, está-se apenas a fugir da posse para o seu oposto, que é o ascetismo. É como um homem que procura o desapego porque experimenta dor com o apego. “Deixa-me ser desapegado”, diz ele. Da mesma maneira, vocês dizem, “Tornar-me-ei um asceta”, porque a posse cria sofrimento. O que estão realmente a fazer é apenas ir da posse para a não-posse, que é uma outra forma de posse. Mas nesse movimento também há conflito, porque não compreendem o significado total da posse. Isto é, contam com a posse para ter conforto; pensam que a felicidade, a segurança, a adulação da opinião pública, reside em ter muitas coisas, já sejam ideias, virtudes, terras, ou títulos. Porque pensamos que a segurança e a felicidade e o poder residem na posse, acumulamos, esforçamo-nos por possuir, lutamos e competimos uns com os outros, sufocamo-nos e exploramo-nos uns aos outros. É isso o que está a acontecer em todo o mundo, e uma mente astuciosa diz: “Tornemo-nos ascetas; não possuamos; tornemo-nos escravos do ascetismo; façamos leis para que o homem não possua.” Por outras palavras, estão apenas a trocar uma prisão por outra, apenas a chamar a nova prisão por um nome diferente. Mas se realmente compreenderem o valor transitório da posse, então não se tornam nem num asceta nem numa pessoa sobrecarregada pelo desejo de posse; então são verdadeiramente seres humanos.
Pergunta: Fiquei com a impressão de que tem um certo desdém pela aquisição de conhecimento. Quer dizer com isso que a educação ou o estudo dos livros – por exemplo, o estudo da história ou da ciência – não tem valor? Quer dizer que o senhor mesmo não aprendeu nada dos seus professores?
Krishnamurti: Eu estou a falar de viver uma vida completa, uma vida humana, e nenhuma quantidade de explicações, sejam de ciência ou de história, libertará a mente e o coração do sofrimento. Pode estudar. Pode aprender a enciclopédia de cor, mas você é um ser humano, activo; as suas acções são voluntárias, a sua mente flexível, e não a pode sufocar com conhecimento. O conhecimento é necessário, a ciência é necessária. Mas se a sua mente for aprisionada por explicações, e se for dada uma explicação satisfatória para a causa do sofrimento, então leva uma vida superficial, uma vida sem profundidade. E é isso que nos está a acontecer. A nossa educação está a tornar-nos cada vez mais néscios; não está a ensinar-nos nem a profundidade do sentimento nem a liberdade de pensamento, e as nossas vidas são desarmoniosas.
O interlocutor quer saber se eu não aprendi dos professores. Receio bem que não, porque não há nada para aprender. Alguém lhes pode ensinar a tocar piano, a resolver problemas de matemática; podem ensinar-lhes os princípios da engenharia ou a técnica de pintura; mas ninguém lhes pode ensinar a realização criativa, que é a própria vida. E contudo estão sempre a pedir para ser ensinados. Dizem, “ Ensine-me a técnica de viver, e saberei o que é a vida.” Eu afirmo que este próprio desejo de um método, esta própria ideia, destrói a vossa liberdade de acção, que é a própria liberdade da vida em si.
Pergunta: Diz que ninguém nos pode ajudar a não ser nós próprios. Não acredita que a vida de Cristo foi uma expiação dos nossos pecados? Não acredita na graça de Deus?
Krishnamurti: Estas são palavras que receio não compreender. Se quer dizer que outro o pode salvar, então eu digo que ninguém o pode salvar. Esta ideia de que outro o pode salvar é uma confortável ilusão. A grandeza do homem é que ninguém o pode ajudar ou salvar a não ser o próprio homem. Vocês têm a ideia de que um Deus externo nos pode mostrar o caminho através deste conflituoso labirinto da vida; que um professor, um salvador do homem, nos pode mostrar o caminho, nos pode retirar, nos pode conduzir para fora das prisões que criámos para nós próprios. Se alguém lhes der liberdade, tenham cuidado com essa pessoa, porque apenas criarão outras prisões através da vossa falta de compreensão. Mas se questionarem, se estiverem despertos, alerta, constantemente conscientes da vossa acção, então a vossa vida é harmoniosa; então a vossa acção é completa, porque nasce da harmonia criativa, e esta é a verdadeira realização.
Pergunta: Seja qual for a actividade a que uma pessoa se dedique, como pode fazer algo mais que não seja remendar enquanto não tiver alcançado completamente a compreensão da verdade?
Krishnamurti: Pensa que o trabalho e a assistência podem ajudar aqueles que sofrem. Para mim uma tal tentativa de fazer o bem social para o bem-estar do homem é remendar. Não estou a dizer que esteja errado; é indubitavelmente necessário, porque a sociedade está num estado que requer que haja aqueles que trabalham para ocasionar uma mudança social, aqueles que trabalham por melhores condições sociais. Mas também tem que haver trabalhadores de outro tipo, aqueles que trabalham para evitar que as novas estruturas da sociedade sejam baseadas em ideias falsas.
Para colocar as coisas diferentemente, suponham que alguns de vocês estão interessados na educação: ouviram o que tenho estado a dizer, e suponham que abrem uma escola ou ensinam numa escola. Em primeiro lugar, descubram se estão interessados apenas em melhorar as condições da educação, ou se estão interessados em lançar a semente da verdadeira compreensão, em despertar as pessoas para um viver criativo; descubram se estão interessados apenas em mostrar-lhes um caminho a salvo de dificuldades, em dar-lhes consolo, panaceias, ou se estão realmente ansiosos por despertá-los para uma compreensão das suas próprias limitações, para que possam destruir as barreiras que agora os detêm.
Pergunta: Por favor explique o que quer dizer com imortalidade. A imortalidade é tão real para si como o chão que pisamos, ou é apenas uma ideia sublime?
Krishnamurti: O que lhes vou dizer sobre a imortalidade será difícil de compreender, porque para mim a imortalidade não é uma crença: ela existe. Isto é uma coisa muito diferente. Existe a imortalidade – e não que eu saiba ou acredite nela. Espero que vejam a diferença. No momento em que digo “Eu sei”, a imortalidade torna-se uma coisa objectiva, estática. Mas quando não há nenhum “eu”, há imortalidade. Tenham cuidado com a pessoa que diz, “Eu conheço a imortalidade”; porque para ela a imortalidade é uma coisa estática, o que significa que há dualidade: há o “eu”, e há isso que é imortal, duas coisas diferentes. Eu afirmo que a imortalidade existe, e isso é porque não há consciência do “eu”.
Agora por favor não digam que não acredito na imortalidade. Para mim a crença nada tem a ver com ela. A imortalidade não é externa. Mas onde há uma crença numa coisa tem que haver um objecto e um sujeito. Por exemplo, vocês não acreditam na luz do sol: ela existe. Somente um cego, que nunca viu o que é a luz do sol, tem que acreditar nela.
Para mim existe uma vida eterna, uma vida de eterno devir; está sempre a devir, não sempre a crescer, porque aquilo que cresce é transitório. Agora, para compreender a imortalidade que eu digo que existe, a mente tem de estar livre desta ideia de continuidade e não-continuidade. Quando uma pessoa pergunta “A imortalidade existe?” ela quer saber se ela, como indivíduo, continuará, ou se ela, como indivíduo, será destruída. Isto é, pensa somente em termos de opostos, em termos de dualidade; ou existe ou não existe. Se tentarem compreender a minha resposta do ponto de vista da dualidade, então falharão completamente. Eu afirmo que a imortalidade existe. Mas para compreender essa imortalidade, que é o êxtase da vida, a mente e o coração têm que estar livres de identificação com o conflito do qual surge a consciência do “eu”, e livres também da ideia de aniquilação da consciência do ego.
Deixem-me colocar a questão de uma maneira diferente. Vocês só conhecem opostos – coragem e medo, posse e não-posse, desapego e apego. Toda a vossa vida está dividida em opostos – virtude e não-virtude, certo e errado – porque nunca enfrentam a vida completamente mas sempre com esta reacção, com este pano de fundo da divisão. Criaram este pano de fundo; estropiaram a vossa mente com estas ideias, e depois perguntam: “A imortalidade existe?” Eu afirmo que existe, mas para o compreenderem, a mente tem que estar livre desta divisão. Isto é, se tiverem medo, não procurem coragem, mas deixem que a mente se liberte do medo; vejam a inutilidade daquilo a que chamam coragem; compreendam que é apenas uma fuga do medo, e que o medo existirá enquanto houver a ideia de ganho e de perda. Em vez de tentarem alcançar o oposto, em vez de lutarem para desenvolver a qualidade oposta, deixem que a mente e o coração se libertem daquilo em que estão aprisionados. Não tentem desenvolver o seu oposto. Então saberão por si mesmos, sem que ninguém vo-lo diga ou vos conduza, o que é a imortalidade; a imortalidade que não é nem o “eu” nem o “tu”, mas que é a vida.