Amigos, esta manhã tentarei primeiro responder a algumas das perguntas, e depois tentarei fazer um resumo do que tenho estado a dizer, no final das minhas respostas.
Pergunta: Para se descobrirem valores duradouros, é necessária a meditação, e, se assim for, qual é o método correcto de meditação?
Krishnamurti: Pergunto-me o que é que as pessoas querem normalmente dizer com meditação. Tanto quanto posso perceber, a assim chamada meditação que é apenas concentração, não é meditação nenhuma. Estamos habituados a esta ideia de que concentrando-nos, fazendo um tremendo esforço para controlar a mente e fixá-la numa determinada ideia ou conceito, em determinada figura ou imagem, focando a mente num ponto específico, estamos a meditar.
Ora, o que acontece quando estão a tentar fazer isso? Estão a tentar concentrar a vossa mente numa determinada ideia e a banir todas as outras ideias, todos os outros conceitos; estão a tentar fixar a mente nessa ideia, a forçar a mente a limitar-se a isso, seja a um grande pensamento, a uma imagem, ou a um conceito que recolheram num livro. O que acontece quando estão a fazer isso? Outras ideias se aproximam e vocês tentam bani-las, e assim se mantém este conflito contínuo. As ideias deslizam para o que vocês não querem, na tentativa de fixar a vossa mente numa determinada ideia. Estão apenas a criar conflito; a fazer com que a mente se torne mais pequena, a contrair a mente, a forçar a mente a fixar-se numa determinada ideia; ao passo que, para mim, o regozijo da meditação consiste, não em forçar a mente, mas em tentar descobrir o significado total de cada pensamento à medida que surge. Como podem dizer qual é uma ideia melhor ou uma ideia pior, qual é nobre, e qual é ignóbil? Só o podem dizer quando a mente tiver descoberto os verdadeiros valores das ideias. Portanto, para mim, o regozijo da meditação consiste neste processo de descobrir o valor correcto de cada pensamento. Descobrem assim por um processo natural o significado de cada pensamento, e em consequência libertam a mente deste conflito contínuo.
Suponham que estão a tentar concentrar-se numa ideia – pensam no que vão vestir, essa ideia chega à vossa mente, ou em quem vão ver, ou no que vão almoçar. Completem cada pensamento, não tentem bani-lo; verão então que a mente já não é um campo de batalha de ideias concorrentes. Assim a vossa meditação não se limita a algumas horas, ou a alguns momentos durante o dia, mas é uma contínua vigilância da mente e do coração durante todo o dia; e isso, para mim, é a verdadeira meditação. Há nisso paz. Há nisso uma alegria. Mas a chamada meditação que vocês praticam como disciplina para obter algo em troca, é, para mim, uma coisa perniciosa, destrói realmente o pensamento. Porque é que somos forçados a fazer isso? Porque é que nos forçamos a pensar concentradamente durante alguns momentos durante o dia em coisas que pensamos que gostamos? Porque no resto do dia fazemos algo que não gostamos, que não é agradável. Por isso dizemos, “Para encontrar, para pensar sobre algo que eu goste, tenho que meditar.” Estão portanto a dar uma resposta falsa a uma causa falsa. Isto é, o meio – económico, social, religioso – impede-os de fazer, de realizar aquilo que querem fazer; e como os impede, têm que encontrar momentos, uma hora ou duas, na qual viver. Portanto, disciplinar a mente, forçá-la a um determinado padrão é, então, necessário, e daí toda a ideia de disciplina. Ao passo que, se realmente compreendessem a limitação do meio, e irrompessem por ele com acção, então este processo de disciplinar a mente para agir de uma certa maneira tornar-se-ia completamente desnecessário.
Por favor, têm que reflectir sobre isto muito cuidadosamente se quiserem ver o significado de tudo isto; porque uma mente disciplinada – não uma mente que é disciplinada para levar a cabo uma técnica – é uma mente que foi treinada ao longo de um certo e determinado padrão, e esse padrão é o resultado de uma falsa sociedade, de falsas ideias, de falsos conceitos. Ao passo que, se forem capazes de penetrar e ver quais são as coisas que são falsas, então a mente deixará de ser um campo de batalha de ideias contraditórias; e nisso descobrirão que há verdadeira contemplação. A alegria do pensamento está então desperta.
Pergunta: Qual é o estado de consciência de que fala? Poderia tratar disso um pouco mais a fundo?
Krishnamurti: Senhores, estamos habituados ao esforço contínuo para fazer qualquer coisa; pensar é fazer um esforço tremendo. Estamos habituados a este esforço incessante. Agora, quero expor o que, para mim, não é um esforço mas uma maneira de viver. Quando sabem que algo é um obstáculo, que algo é um veneno, quando todo o vosso ser se torna consciente de algo que é venenoso, não há esforço para o rejeitar: já se afastaram dele. Quando sabem que algo é perigoso, venenoso, e quando se tornam totalmente conscientes disso na vossa mente e no vosso coração, já se libertaram disso. É somente quando não sabem que é veneno, ou quando esse veneno dá prazer e ao mesmo tempo dor, que então brincamos com ele.
Ora, nós criámos muitos obstáculos, tais como o nacionalismo, o patriotismo, o seguimento imitativo da autoridade, o submetimento às tradições, a procura contínua de conforto. Tudo isto nós criámos através do medo. Mas, se soubermos com todo o nosso ser que o patriotismo é realmente uma coisa falsa, uma coisa venenosa, então não terão que batalhar contra ele. Não têm que se livrar dele. No momento em que sabem que é uma coisa venenosa, ele já desapareceu. Como vamos descobrir que é uma coisa venenosa? Não nos identificando nem com o patriotismo nem com o anti-patriotismo. Isto é, vocês querem descobrir se o patriotismo é um veneno; mas se se identificarem seja com o patriotismo seja com o sentimento de anti-patriotismo, então não podem descobrir o que é verdadeiro. Não é assim? Querem descobrir se o patriotismo é um veneno. Por isso a primeira coisa é darem-se conta, tornarem-se conscientes do facto de não-identificação com qualquer um deles. Assim, quando não estão a tentar identificar-se seja com o patriotismo, seja com o sentimento contra o patriotismo, então começam a ver o verdadeiro significado de patriotismo. Dão-se então conta do seu verdadeiro valor.
Afinal, o que é o patriotismo? Estou a tentar ajudá-los a darem-se conta agora deste veneno. Não significa que tenham que aceitar ou rejeitar o que estou a dizer. Consideremos juntos, e vejamos se não é um veneno; e no momento em que virem que é veneno, não precisam de lutar contra ele. Ele desapareceu. Se virem uma cobra venenosa, afastam-se dela. Não lutam contra ela. Ao passo que, se não tiverem a certeza que é uma cobra venenosa, então vão e brincam com ela. Do mesmo modo, tentemos descobrir sem aceitação ou oposição se o patriotismo é ou não um veneno.
Em primeiro lugar, quando é que são patriotas? Não são patriotas todos os dias. Não mantêm o sentimento patriota. Vocês estão a ser cuidadosamente treinados para o patriotismo nas escolas, através dos livros de história que dizem que o vosso país derrotou um outro país, que o vosso país é melhor que qualquer um outro país. Porque é que tem havido este treino da mente para o patriotismo, que, para mim, é uma coisa anti-natural? Não que não se aprecie a beleza de um país talvez mais que a dos outros; mas essa apreciação nada tem a ver com patriotismo, é uma apreciação de beleza. Por exemplo, há algumas partes do mundo onde não existe uma única árvore, onde o sol é abrasadoramente quente; mas isso tem a sua própria beleza. Certamente que um homem que goste da sombra, da dança das folhas, não é sem dúvida patriótico. O patriotismo tem sido cultivado, ensinado, como um meio de exploração. Não é uma coisa instintiva no homem. Aquilo que é instintivo no homem é a apreciação da beleza, e não dizer “o meu país”. Mas isso foi cultivado por aqueles que desejam procurar mercados estrangeiros para as suas mercadorias. Isto é, se eu tenho os meios de produção nas minhas mãos, e saturei este país com os meus produtos, e depois quero expandir-me, tenho que ir a outros países, tenho que conquistar os mercados em outros países. Por isso tenho que ter meios de conquista. Portanto, digo “o nosso país”, e estimulo toda esta coisa através da imprensa, da propaganda, da educação, dos livros de história, etc., este sentido de patriotismo, para que num momento de crise todos saltemos para combater outro país. E é sobre este sentimento de patriotismo que os exploradores jogam até que vocês sejam tão enganados que estejam prontos para combater pelo país, chamando bárbaros aos outros, e tudo o mais.
Isto é uma coisa óbvia, não é invenção minha. Podem estudá-lo. É tão óbvio se o virem com uma mente imparcial, com uma mente que não se quer identificar com um ou com outro, mas que tenta descobrir. O que acontece quando descobrem que o patriotismo é realmente um obstáculo para a vida completa, plena, real? Não têm que batalhar contra ele. Ele desapareceu completamente.
Comentário: Estaria contra a lei da nação.
Krishnamurti: A lei da nação! Porque não? Sem dúvida que se vocês estiverem livres do patriotismo e a lei da nação interferir convosco, e os levar para a guerra e vocês não se sentirem patriotas, então podem tornar-se objectores de consciência, ou ir para a prisão, e depois têm que combater a lei. A lei é feita pelos seres humanos, e pode certamente ser infringida pelos seres humanos. (Aplauso) Por favor não se incomodem em bater palmas, é uma perda de tempo.
Portanto o que é que está a acontecer? O patriotismo, seja do tipo ocidental, seja do tipo oriental, é o mesmo, um veneno nos seres humanos que está realmente a distorcer o pensamento. Portanto o patriotismo é uma doença, e quando se começarem a aperceber, a dar-se conta de que é uma doença, então verão como a vossa mente reage a essa doença. Quando, em tempo de guerra, todo o mundo falar de patriotismo, vocês saberão a falsidade disso, e por esse motivo agirão como um verdadeiro ser humano.
Da mesma maneira, por exemplo, que a crença é um obstáculo. Isto é, a mente não pode pensar completamente, totalmente, se estiver amarrada a uma crença. É como um animal que está amarrado a um poste com uma corda. Não importa que essa corda seja comprida ou curta; está amarrado, por isso não pode deambular plenamente, livremente, extensivamente, completamente; só o pode fazer dentro do comprimento dessa corda. Por certo que essa deambulação não é pensar: só se move dentro do círculo limitado de uma crença. Ora, a mente dos homens está amarrada a uma crença, e por isso são incapazes de pensar. A maior parte das mentes identificaram-se com uma crença, e por isso o seu pensamento está sempre circunscrito, limitado por essa crença ou ideal; daí a incompletude do pensamento. As crenças separam as pessoas. Portanto se entenderem isso, se realmente reconhecerem com a totalidade do vosso ser que a crença está a condicionar o pensamento, então o que acontece? Dão-se conta de que o vosso pensamento está condicionado, dão-se conta que o vosso pensamento está aprisionado, amarrado a uma crença. Na chama da consciência reconhecerão o disparate, e em consequência começam a libertar a mente do condicionamento, e começam por isso a pensar completamente, integralmente.
Por favor experimentem isto, e verão que a vida não é um processo de batalha contínua, batalha contra os padrões em oposição ao que querem fazer. Não haverá então nem o que querem fazer, nem o padrão, mas sim acção correcta, sem identificação pessoal.
Peguem noutro exemplo. Têm medo do que o vosso vizinho possa dizer – um medo muito simples. Ora, não adianta desenvolver o oposto, que é dizer, “Não me importo com o que o vizinho diz”, e fazer algo em reacção a essa oposição. Mas se realmente se derem conta de porque é que têm medo do vizinho, então o medo cessa totalmente. Para descobrir esse “porquê”, a sua causa, têm que estar plenamente conscientes nesse momento de medo, e então verão o que é: têm medo de perder o emprego, podem não casar o vosso filho ou a vossa filha, querem ajustar-se à sociedade, e todo o resto. Começam assim a descobrir através deste processo de vigilância da mente, desta consciência contínua; e nessa chama se queima a escória dos falsos padrões. Então a vida não é uma batalha. Então nada há para ser conquistado.
Podem não aceitar isto. Podem não aceitar o que estou a dizer, mas podem experimentar. Experimentam com estes três exemplos que lhes dei, o medo, a crença, o patriotismo, e verão como a vossa mente está amarrada, condicionada, e por isso a vida se torna um conflito. Onde a mente estiver escravizada, condicionada, tem que haver conflito, tem que haver sofrimento. Porque, afinal, o pensamento é como as águas de um rio. Tem que estar em contínuo movimento. A eternidade é esse movimento. Se vocês condicionarem esse fluxo livre do pensamento, da mente e do coração, então têm que ter conflito, e esse conflito então tem que ter um remédio e começa então o processo: a procura de remédios, os substitutos, e o nunca tentar descobrir a causa desse conflito. Portanto através do processo de plena vigilância, vocês libertam a mente e o coração dos obstáculos que foram estabelecidos em seu redor através do meio; e enquanto o meio estiver a condicionar a mente, enquanto a mente não tiver descoberto o verdadeiro significado do meio, tem que haver conflito, e por isso a falsa resposta que é a auto-disciplina.
Pergunta: Quando se descobriu que cada método de evasão do presente resultou em superficialidade, que mais há para se fazer?
Krishnamurti: Quando vocês descobrem que estão a evadir-se do conflito, que a vossa mente está a fugir através dos remédios superficiais, querem saber o que fica. O que permanece? Inteligência, compreensão. Não é assim? Suponham que têm um sofrimento qualquer, seja o sofrimento da morte, ou um sofrimento momentâneo de qualquer tipo. Vocês fogem, quando há o sofrimento da morte, através desta crença na reencarnação, ou de que a vida existe e continua do outro lado. Entrei em pormenores na noite passada, portanto não o farei aqui. Mas quando reconhecem que é um escape, o que acontece? Então olham para o remédio para descobrir o seu significado, para descobrir se tem algum valor; e no processo de descoberta, nasce a inteligência, a compreensão; e essa inteligência suprema é a própria vida. Não querem nada mais. Ou suponham que tem um tipo qualquer de sofrimento momentâneo, e querem fugir-lhe e tentam divertir-se, tentam esquecê-lo. Tentando esquecer, nunca compreenderão a causa desse sofrimento. Então aumentam e multiplicam os meios de esquecimento, pode ser um cinema, uma igreja, ou qualquer coisa. Portanto não se trata do que permanece após terem tentado fugir; mas na tentativa de descobrir o valor dos escapes que criaram para vocês próprios, há verdadeira inteligência, e essa inteligência é felicidade criativa, é realização.
Pergunta: Qual é a causa fundamental do medo?
Krishnamurti: Não é a auto-preservação a causa fundamental? A auto-preservação, com todas as suas subtilezas? Por exemplo, vocês podem ter dinheiro, e por isso não se incomodam com a competição em arranjar um trabalho; mas têm medo de qualquer outra coisa, medo que a vossa vida possa repentinamente chegar ao fim e de que possa haver extinção, ou medo da perda de dinheiro. Portanto, se considerarem isso, verão que o medo existirá enquanto a ideia de auto-preservação continuar, enquanto a mente se mantiver fiel a esta ideia de auto-consciência, ideia essa que expliquei na noite passada. Enquanto essa consciência do ego permanecer, tem que haver medo; e essa é a causa fundamental do medo. E também tentei explicar ontem à noite como esta consciência limitada a que chamamos o “eu” é originada, como é criada através do meio falso, e a luta que é provocada por esse meio. Isto é, tal como o sistema existe agora, têm que lutar por vocês próprios até para viver, portanto isso gera medo; e depois tentamos encontrar remédios para nos livrarmos deste medo. Ao passo que, se realmente alterassem a situação que gera este medo, então não haveria necessidade de remédios; então estariam a atacar a própria fonte, o próprio criador do medo. Não conseguiremos conceber um estado em que não tenham que lutar pela vossa existência? Não que não haja outros tipos de medo que trataremos pormenorizadamente mais tarde; mas é esta ideia da nacionalidade, esta ideia da consciência racial, da consciência de classes, os meios de produção nas mãos de uma minoria, e portanto o processo de exploração: é isto que os impede de viver naturalmente sem esta luta contínua pela auto-preservação e segurança, que, afirmo, num estado inteligente é absurdo. Somos na realidade como animais, embora nos intitulemos de civilizados, cada um lutando por si e pela sua família; e essa é uma das causas fundamentais do medo. Se realmente compreenderem o meio e a batalha contra ele, então não se importam, e o medo perde o seu controlo.
Mas há um medo de outro tipo, o medo da pobreza interior. Há o medo da pobreza exterior, e depois há o medo de ser néscio, de estar vazio, de estar só. Assim, tendo medo, recorremos aos vários remédios na esperança de nos enriquecermos. Entretanto, o que acontece realmente? Estão apenas a encobrir essa falsidade, essa superficialidade, com inúmeros remédios. Pode ser o remédio da literatura, lendo muito – não que eu seja contra a leitura. Pode ser este exagero do desporto, esta pressa contínua de não se separarem a todo o custo, de desenvolverem grande actividade, de pertencerem a determinados grupos, a determinadas classes, a determinadas sociedades, de estarem de conluio, entre o grupo dos espertalhões. Vocês sabem, todos nós passamos por isso. Tudo isto apenas mostra o medo daquela solidão que inevitavelmente têm que enfrentar um dia ou outro. E enquanto esse vazio existir, essa superficialidade, essa falsidade, esse vácuo, tem que haver medo.
Estar realmente livre desse medo, que é estar livre desse vazio, dessa superficilaidade, não é encobri-lo com remédios; mas antes reconhecer essa superficialidade, darem-se conta dela, o que lhes confere então a vivacidade de mente para descobrir os valores e os significados de cada experiência, de cada padrão, de cada meio. Através disso descobrirão a verdadeira inteligência; e a inteligência é intensa, profunda, ilimitada, e em consequência a superficilaidade desaparece. É quando tentam encobri-la, tentando ganhar algo para preencher esse vazio, que esse vazio cresce cada vez mais. Mas, se souberem que estão vazios, não tentem fugir, porque nessa consciência a vossa mente torna-se muito perspicaz, porque estão a sofrer. No momento em que estão conscientes de que estão vazios, ocos, há um tremendo conflito que acontece. Nesse momento de conflito descobrem, à medida que prosseguem, o significado da experiência – os padrões, os valores da sociedade, da religião, das condições que lhes são postas. Em vez de encobrir o vazio, há uma profundidade de inteligência. Então nunca estarão sós mesmo que que estejam sozinhos ou com uma grande multidão, então não hverá coisas dessas como vazio, superficialidade.
Pergunta: As pessoas agirão por instinto, ou alguém terá sempre que lhes apontar o caminho?
Krishnamurti: Ora bem, o instinto não é uma coisa em que se confie. É? Porque o instinto tem sido tão pervertido, tão limitado pela tradição, pela autoridade, pelo meio, que já não podem confiar nele. Isto é, o instinto de possessividade é uma coisa falsa, uma coisa anti-natural. Explicar-lhes-ei porquê. Foi criado por uma sociedade que se baseia na segurança individual; e por isso o instinto de possessividade tem sido cuidadosamente cultivado através das gerações. Dizemos, “Instintivamente sou possessivo. É da natureza humana ser possessivo”, mas se realmente o examinarem, verão que ele tem sido cultivado por falsas situações, e por isso o instinto de possessividade não é um instinto verdadeiro. Temos assim muitos instintos que têm sido falsamente encorajados, e se dependerem de alguém para os fazer sair destes padrões instintivos falsos, irão então para uma outra jaula; criarão um outro conjunto de padrões que novamentos os perverterão. Ao passo que, se realmente examinarem cada instinto e não tentarem identificar-se com esse instinto, mas tentarem descobrir o seu significado, então daí advem uma acção natural espontânea, a verdadeira intuição.
Sabem, têm estado aqui nas minhas palestras, feliz ou infelizmente, durante os últimos quatro ou cinco dias, e apenas ouvir as minhas palestras não lhes vai fazer nada, não lhes vai dar sabedoria. O que dá sabedoria é a acção. A sabedoria não é uma coisa que se compre, ou que se obtenha das enciclopédias, ou da leitura de filosofias. Eu nunca li quaisquer filosofias. É somente no processo da acção que começam a discernir o que é falso e o que é verdadeiro; e muito poucas pessoas estão alerta, ansiosas por acção. Preferem sentar-se e discutir, ou ir a igrejas, criar mistérios do nada, porque as suas mentes são indolentes, preguiçosas, e por trás disso existe o medo de ir contra a sociedade, contra a ordem estabelecida. Portanto escutar as minhas palestras, ou ler o que eu disse, não vai despertar a inteligência nem conduzi-los à verdade, a esse êxtase da vida que está em contínuo movimento. O que traz sabedoria é dar-se conta de um destes obstáculos, e agir. Peguem, conforme eu disse, no obstáculo do patriotismo ou da crença, e comecem a agir, e verão até que profundidade de pensamento os levará. Vão muito mais além do que qualquer teólogo teórico, do que qualquer filósofo; e nessa acção descobrirão que chega uma altura em que não procuram um resultado da vossa acção, um fruto da vossa acção, mas a própria acção tem um significado. Tal como um cientista experimenta, e no processo de experimentação há resultados mas ele continua a experimentar, assim, da mesma maneira, no processo de experimentação, no processo de libertação da mente e do coração dos obstáculos, acontecerá a acção, o resultado. Mas o essencial é que exista este movimento contínuo da mente e do coração. Se toda a acção for realmente a expressão desse movimento, então a acção torna-se a nova sociedade, o novo meio e em consequência a sociedade não se aproxima de um ideal, mas nessa acção, a sociedade também se move, nunca fica estática, nunca fica quieta, e a moralidade é então a percepção voluntária, não forçada pelo medo ou imposta externamente pela sociedade ou pela religião.
Assim, gradualmente, neste processo de libertar a mente do falso, não há substituição do falso pelo verdadeiro, mas apenas o verdadeiro. Então vocês já não procuram uma substituição, mas no processo de descoberta do falso libertam a mente para se mover, para viver eternamente, e então a acção torna-se uma coisa espontânea, natural, e por isso a vida torna-se, não uma escola em que se aprende a competir, a lutar, mas uma coisa a ser vivida inteligentemente, superiormente, com felicidade. E uma vida assim é a vida de um ser humano consumado.