O que é a Acção Correcta? - Ojai, 1ª Palestra - 16 de Junho, 1934

É o meu objectivo durante estas palestras não tanto dar um sistema de pensamento, como despertar o pensamento, e para fazer isso vou fazer determinadas declarações, naturalmente não dogmáticas, que espero que considerem, e ao considerá-las, surgirão muitas perguntas; se tiverem a amabilidade de mas colocar, tentarei respondê-las, e assim poderemos discutir ulteriormente o que tenho a dizer.
Pergunto-me porque a maior parte de vocês vem aqui? Presumivelmente estão à procura de alguma coisa. E o que procuram? Não podem responder à pergunta, naturalmente, porque a vossa busca varia, o objecto da vossa procura varia: o objecto da vossa procura está constantemente a mudar, portanto não sabem definitivamente o que procuram, o que querem. Mas infelizmente vocês criaram o hábito de ir de um suposto mestre espiritual para outro suposto mestre espiritual, de se juntarem a variadas organizações, sociedades, e de seguirem sistemas; por outras palavras, de tentarem descobrir o que lhes dá cada vez maior satisfação, excitação.
A este processo de ir de uma escola de pensamento para outra, de um sistema de pensamento para outro, de um professor para outro, vocês chamam a procura da verdade. Por outras palavras, vão de uma ideia para outra, de um sistema de pensamento para outro, acumulando, esperando compreender a vida, tentando aprofundar o seu significado, as suas lutas, declarando de cada vez que encontraram alguma coisa.
Ora bem, espero que não digam no final das minhas palestras que encontraram algo, porque no momento em que tenham encontrado alguma coisa já estão perdidos; é uma âncora à qual a mente se apega, e por isso esse movimento eterno, esta busca verdadeira da qual vou falar, cessa. E a maioria das mentes estão à procura de um alvo definido, com este desejo definido de encontrar, e uma vez estabelecido este desejo, encontrarão alguma coisa. Mas não será algo vivo, será uma coisa morta o que encontrarão, e por esse motivo pô-la-ão de lado para se virarem para outra; e a este processo de escolher continuamente, de descartar continuamente, vocês chamam adquirir sabedoria, experiência, ou verdade. Provavelmente a maior parte de vocês veio aqui com essa atitude, consciente ou inconscientemente, portanto o vosso pensamento está apenas a esgotar-se na procura de esquemas e confirmações, no desejo de se juntarem a um movimento ou de formar grupos, sem a claridade do fundamental ou tentando compreender o que estas coisas fundamentais da vida significam. Portanto conforme eu disse, não estou a expor um ideal para ser imitado, uma meta a encontrar, mas o meu objectivo é antes despertar esse pensamento pelo qual a mente se pode libertar destas coisas que nós estabelecemos, que aceitamos como sendo verdadeiras.
Ora, cada um tenta imortalizar o produto do meio; tentamos eternizar essa coisa que é o resultado do meio. Isto é, os vários medos, esperanças, ânsias, preconceitos, gostos, opiniões pessoais que glorificamos como sendo o nosso temperamento – isto é, afinal, o resultado, o produto do meio; e o fardo destas memórias, que é o resultado do meio, o produto das reacções ao meio, este fardo torna-se essa consciência a que chamamos o “eu”. Não é assim? Toda a luta é entre o resultado do meio com o qual a mente se identifica e se torna o “eu”, entre isso, e o meio. Afinal, o “eu”, a consciência com a qual a mente se identifica é o resultado do meio. A luta tem lugar entre o “eu” e o meio constantemente variável.
Vocês estão continuamente à procura da imortalidade para este “eu”. Por outras palavras, a falsidade tenta tornar-se o real, o eterno. Quando compreendem o significado do meio, não há reacção e por isso não há conflito entre a reacção, isto é, entre o que chamamos o “eu” e o criador da reacção que é o meio. Portanto esta procura da imortalidade, esta ânsia de ter a certeza, de ser duradouro, é chamada o processo de evolução, o processo de adquirir a verdade ou Deus ou a compreensão da vida. E fazem de qualquer pessoa que os ajude em relação a isto, que os ajude a imortalizar a reacção a que chamamos o “eu”, o vosso redentor, o vosso salvador, o vosso mestre, o vosso professor, e seguem o seu sistema. Seguem-na com pensamento, ou sem pensamento; com pensamento quando pensam que a seguem com inteligência porque ela os conduzirá à imortalidade, à realização desse êxtase. Isto é, querem que outro imortalize por vocês essa reacção que é o resultado do meio, que é em si inerentemente falso. Do desejo de imortalizar isso que é falso, vocês criam religiões, sistemas sociológicos e divisões, métodos políticos, panaceias económicas, e padrões morais. Assim gradualmente neste processo de desenvolvimento de sistemas para tornar o indivíduo imortal, duradouro, seguro, o indivíduo está completamente perdido, e entra em conflito com as criações da sua própria procura, com as criações que nascem da sua ânsia de estar seguro e a que ele chama imortalidade. Afinal, porque deveriam existir as religiões? As religiões como divisões de pensamento cresceram, têm sido glorificadas e nutridas por conjuntos de crenças porque existe o desejo de que se realizarão, que alcançarão, que haverá imortalidade.
E mais uma vez, os padrões morais são apenas as criações da sociedade, para que o indivíduo possa ser mantido dentro do seu cativeiro. Para mim, a moralidade não pode ser padronizada. Não pode haver ao mesmo tempo moralidade e padrões. Só pode haver inteligência, que não é, que não pode ser padronizada. Mas entraremos em pormenores nas minhas palestras posteriores.
Assim, esta procura contínua em que cada um de nós é apanhado, a procura da felicidade, da verdade, da realidade, da saúde – este desejo contínuo, é cultivada por cada um de nós para que possamos estar seguros, ser permanentes. E nessa procura de estabilidade, tem que haver conflito, conflito entre o resultado do meio, que é o “eu”, e o próprio meio.
Ora se chegarem ao ponto de pensar nisso, o que é o “eu”? Quando falam sobre “eu”, “meu”, a minha casa, o meu prazer, a minha mulher, o meu filho, o meu amor, o meu temperamento, o que é isso? Não é nada senão o resultado do meio, e há um conflito entre o resultado, o “eu”, e o próprio meio. O conflito só pode existir e inevitavelmente tem que existir entre o falso e o falso; não entre o verdadeiro e o falso. Não é assim? Não pode haver conflito entre o que é verdadeiro e o que é falso, Mas pode haver conflito e tem que haver conflito entre duas coisas falsas, entre os graus de falsidade, entre os opostos.
Portanto não pensem que esta luta entre o eu e o meio, a que chamam de luta verdadeira, é verdadeira. Não tem lugar em cada um de vocês uma luta entre vocês e o vosso meio, o vosso ambiente, o vosso marido, a vossa mulher, o vosso filho, o vosso vizinho, a vossa sociedade, as vossas organizações políticas? Não há uma luta constante a prosseguir? Vocês consideram essa batalha necessária para os ajudar a concretizar a felicidade, a verdade, a imortalidade, ou o êxtase. Pondo as coisas de uma maneira diferente: o que consideram ser verdade é apenas auto-consciência, o “eu”, que está sempre a tentar tornar-se imortal, e o meio, que eu digo que é o movimento contínuo do falso. Este movimento do falso torna-se o vosso meio sempre variável, a que se chama progresso, evolução. Portanto para mim, a felicidade, ou a verdade, ou Deus, não pode ser encontrada como resultado do meio, do “eu”, das condições continuamente variáveis.
Tentarei expor o assunto outra vez de maneira diferente. Existe o conflito, do qual cada um de vocês está consciente, entre vocês e o meio, as condições. Ora, vocês dizem para si próprios: “Se eu puder conquistar o meio, vencê-lo, dominá-lo, descobrirei, compreenderei”; portanto há esta batalha contínua que prossegue entre vocês e o meio.
Agora o que é o “eu”? É apenas o resultado, o produto do meio. Portanto o que é que vocês fazem? Estão a combater uma coisa falsa com outra coisa falsa, e o meio será falso enquanto não o compreenderem. Por esse motivo o meio está a produzir essa consciência a que chamam o “eu”, que está continuamente e tentar tornar-se imortal. E para o tornar imortal tem que haver muitas maneiras, tem que haver meios, e por isso têm as religiões, os sistemas, as filosofias, todas as maçadas e barreiras que vocês criaram. Por isso tem que haver conflito entre o resultado do meio e o próprio meio; e, conforme eu disse, só pode haver conflito entre o falso e o falso; nunca entre a verdade e o falso. Ao passo que, nas vossas mentes está firmemente implantada esta ideia de que nesta luta entre o resultado do meio, que é o “eu”, e o próprio meio, reside o poder, a sabedoria, o caminho para a eternidade, para a realidade, a verdade, a felicidade.
O nosso interesse vital deveria ser este meio, não o conflito, não como vencê-lo, não como fugir-lhe. Questionando o meio e tentando compreender o seu significado, descobriremos o seu real valor. Não é assim? A maior parte de nós está enredada, apanhada no processo de tentar dominar, fugir das circunstâncias, do meio; não estamos a tentar descobrir o que ele significa, qual é a sua causa, o seu significado, o seu valor. Quando virem o significado do meio, isso significa acção drástica, uma tremenda convulsão na vossa vida, uma mudança de ideias completa, revolucionária, na qual não há autoridade, não há imitação. Mas muito poucos estão dispostos a ver o significado do meio, porque isso significa mudança, uma mudança radical, uma mudança revolucionária, e muito poucas pessoas querem isso. Portanto a maioria das pessoas, um vasto número de pessoas, estão interessadas na fuga do meio; encobrem-no, ou tentam encontrar novas substituições livrando-se de Jesus Cristo e implantando um novo salvador; procurando novos mestres em vez dos antigos, mas nunca inquirem se realmente precisam de um guia. Só isto ajudaria, só isto daria o verdadeiro significado dessa busca específica.
Portanto onde há uma procura de substituição, tem que haver autoridade, o seguimento de uma liderança, e por isso o indivíduo se torna apenas numa peça de engrenagem no mecanismo social e religioso da vida. Se olharem com atenção verão que a vossa procura não é senão uma procura de conforto e segurança e escape; não uma procura de compreensão, não uma procura da verdade, mas antes uma procura de evasão e por isso uma procura da conquista de todos os obstáculos; afinal, toda a conquista não é senão substituição, e na substituição não há compreensão.
Há escapes através das religiões, com os seus éditos, os seus padrões morais, medos, autoridades; e escapes através da auto-expressão – aquilo a que chamam auto-expressão, o que a maioria das pessoas chama auto-expressão, é apenas a reacção contra o meio, é apenas o esforço de se expressar através da reacção contra o meio – auto-expressão através da arte, através da ciência, através de várias formas de acção. Aqui não estou a incluir as verdadeiras e espontâneas expressões da beleza, da arte, da ciência; elas são em si completas. Estou a falar do homem que procura estas coisas como meios de auto-expressão. Um verdadeiro artista não fala da sua auto-expressão, ele expressa aquilo que intensamente sente; mas há tantos falsos artistas, tal como as falsas pessoas espirituais, que estão sempre à procura de auto-expressão como um meio de obter qualquer coisa, alguma satisfação que não podem encontrar no meio em que vivem.
Através desta procura de segurança e estabilidade, implantamos as religiões com todas as suas inanidades, divisões, explorações, como meios de escape; e estes meios de escape tornam-se tão vitais, tão importantes, porque, enfrentar o meio, isto é, as condições em nosso redor, requer uma tremenda acção, uma acção voluntária, dinâmica, e muito poucos estão dispostos a tomar essas providências. Pelo contrário, estão dispostos a ser forçados a uma acção pelo meio, pelas circunstâncias; isto é, se um homem se tornar altamente moral e virtuoso através da depressão, vocês dizem que ele é um bom homem, como ele mudou. Para essa mudança vocês dependem do meio; e enquanto houver dependência do meio para a acção correcta, tem que haver meios de escape, substituições, chamem-lhe religião ou o que quiserem. Ao passo que, para o verdadeiro artista que é também verdadeiramente espiritual, há expressão espontânea, que é em si suficiente, completa, integral.
Portanto o que fazem? O que está a acontecer a cada um de vocês? O que estão a tentar fazer nas vossas vidas? Estão à procura; e o que procuram? Há um conflito entre vocês e o movimento constante do meio. Procuram um modo de dominar o meio, para perpetuar o vosso próprio eu que é apenas o resultado desse meio; ou, porque foram tantas vezes frustrados pelo meio, que os impede de se auto-expressarem, como vocês lhe chamam, procuram um novo meio de auto-expressão através do serviço à humanidade, através de ajustamentos económicos, e tudo o mais.
Cada um tem que descobrir de que anda à procura; se não estiver à procura, então há satisfação e decadência. Se houver conflito, há o desejo de subjugar esse conflito, de fugir desse conflito, de o dominar. E tal como eu disse, o conflito só pode existir entre duas coisas falsas, entre essa suposta realidade a que chamam o “eu”, que para mim nada mais é que o resultado do meio, e o próprio meio. E por isso se a vossa mente está apenas interessada no domínio dessa luta, então estão a perpetuar a falsidade, e por esse motivo há mais conflito, mais sofrimento. Mas se compreenderem o significado do meio, isto é, riqueza, pobreza, exploração, opressão, nacionalidades, religiões, e todas as inanidades da vida social na existência moderna, não tentando dominá-las mas vendo o seu significado, então tem que haver acção individual, e uma completa revolução de ideias e pensamento. Nessa altura já não há luta, mas antes luz dissipando a escuridão. Não há conflito entre a luz e a escuridão. Não há conflito entre a verdade e aquilo que é falso. Só há conflito onde há opostos.