Esta manhã quero falar sobre o medo, que cria compulsão, que necessita de compulsão, de influência.
Ora bem, nós dividimos a mente em pensamento, razão, intelecto; mas, tal como expliquei na minha última palestra, para mim a mente é inteligência, auto-criativa mas nublada pela memória; a mente, que é inteligência, está nublada pela memória e confundida com essa consciência do “eu”, o resultado do meio. Assim a mente torna-se escravizada pelo meio que ela própria criou através da ânsia, e por isso há continuamente medo. A mente criou o meio, e enquanto não compreendermos esse meio o medo tem que existir. Não pensamos por completo no meio e não estamos plenamente conscientes dele, portanto a mente torna-se escravizada por esse meio e desse modo há medo; e a compulsão é o instrumento do medo. Portanto a falta de compreensão é naturalmente provocada por essa falta de inteligência, e porque não compreendemos o meio, o medo é desse modo gerado, e o medo necessita de influência, seja externa ou interna.
E como é criada esta compulsão contínua, que se tornou o instrumento, este penetrante instrumento do medo? A memória nubla a mente, e isto, disse-o vezes sem conta, é o resultado da falta de compreensão do meio que gera conflito, e a memória torna-se a auto-consciência. Esta mente, nublada, limitada e confinada pela memória, procura a perpetuação do resultado do meio que é o “eu”, portanto ao penetrar o “eu”, a mente procura o ajustamento, a alteração ou modificação do meio, o seu crescimento e expansão. Sabem, a mente está continuamente à procura de ajustamento ao meio; mas o ajustamento ao meio não origina compreensão, nem podemos ver o significado desse meio modificando simplesmente o estado de espírito ou tentando mudar ou expandir esse meio. Porque a mente está continuamente à procura da sua própria protecção, fica nublada pela memória que se tornou confusa, identificada com a auto-consciência –auto-consciência essa que se deseja perpetuar a si própria; por isso tenta alterar, ajustar, modificar o meio, ou por outras palavras, a mente procura fazer do “eu”, à medida que ele pensa, imortal, universal e cósmico. Não é assim?
Portanto a mente, que procura imortalidade, realmente deseja a continuação desta consciência do “eu”, a perpetuação do meio; isto é, enquanto a mente se agarrar à ideia da consciência do “eu”, que é apenas a falta de compreensão do meio e por isso a causa do conflito, enquanto ela procurar, nessa limitação, a sua própria perpetuação, e a esta perpetuação nós chamamos imortalidade, ou essa consciência cósmica na qual o particular continua a permanecer; enquanto a mente, que é inteligência, se mantiver na dependência da memória, que é a consciência do “eu”, existe a procura do falso para o falso. Este “eu”, tal como expliquei, é a falsa reacção ao meio; há uma causa falsa e que procura sempre uma solução falsa, um efeito falso, um resultado falso. Portanto quando a mente nublada pela memória procura perpetuar-se como auto-consciência, está à procura de uma falsa imortalidade, de uma falsa expansão cósmica, ou seja lá o que lhe queiram chamar.
Neste processo da perpetuação do “eu”, essa memória de auto-conservação, na perpetuação desse “eu” nasce o medo – não o medo superficial, mas o medo fundamental do qual tratarei agora. Eliminem esse medo, que tem como sua expressão externa a nacionalidade, o desenvolvimento, a consecução, o sucesso – eliminem esse medo fundamental, a ansiedade da perpetuação desse “eu”, e todos os medos cessam. Portanto o medo existe enquanto houver este desejo da perpetuação dessa coisa que é falsa; este “eu” é falso, por isso têm que ter uma reacção falsa, que é o próprio medo. E onde há medo tem que haver disciplina, compulsão, influência, domínio, a procura de poder que a mente glorifica como virtude e como divinos. Se pensarem realmente nisso verão que onde há inteligência não pode haver a procura de poder.
Ora toda a vida é moldada pelo medo e pelo conflito, e por isso pela compulsão, pela imposição de leis e grilhões que alguns consideram virtuosos e dignos, e outros funestos e maus. Não é assim? São estas as restrições que vocês estabeleceram na vossa procura de perpetuação, livres do medo; nessa procura criaram disciplinas, códigos e autoridade, e a vossa vida é moldada, controlada e conformada pela compulsão sob várias formas e graus. Alguns chamam virtuosa a essa compulsão, outros chamam-lhe perversa.
Temos, em primeiro lugar, a compulsão exterior que é a restrição do meio sobre o indivíduo. A pessoa comum a quem chamam não evolucionada, não espiritual, é controlada pelo meio, pelo meio exterior, isto é, pela religião, pelos códigos de conduta, pelos padrões morais, pela autoridade política e social; é uma escrava de tudo isto porque tudo isto está enraizado nas necessidades económicas do indivíduo. Não é? Eliminem inteiramente as necessidades económicas das quais depende o indivíduo, e então os códigos de conduta, os padrões morais, os valores políticos, económicos e sociais desaparecem. Portanto nestas restrições do meio exterior que geram conflito entre o indivíduo e o meio exterior, nas quais o indivíduo é esmagado, pervertido, distorcido, ele torna-se cada vez mais menos inteligente. O indivíduo que é meramente condicionado o tempo todo pelo meio exterior, moldado por determinadas regras, leis, reacções, decretos, padrões morais – quanto mais o esmagarem, cada vez menos inteligente se torna. Mas a inteligência é a compreensão do meio, é ver o seu significado subtil livre da compulsão.
Estas restrições impostas sobre o indivíduo, a que ele chama o meio exterior, têm como seus representantes os charlatães e os exploradores na religião, na moralidade popular, e na vida política e económica do homem. O explorador é o indivíduo que os usa consciente ou inconscientemente, e vocês submetem-se-lhe consciente ou inconscientemente, porque não compreendem; vocês tornam-se o explorado economicamente, socialmente, politicamente, e religiosamente e ele torna-se o vosso explorador. Assim dessa maneira a vida torna-se uma escola, uma estrutura, uma estrutura de aço, na qual o indivíduo é insistentemente moldado, na qual se torna simplesmente uma máquina – o indivíduo torna-se simplesmente numa peça de engrenagem numa máquina, irreflectido e rigidamente limitado. A vida torna-se uma luta contínua, uma batalha, e por isso o indivíduo implantou esta falsa ideia de que a vida é uma série de lições a aprender, a adquirir, para que possa ser advertido, para que possa enfrentar de novo a vida amanhã, mas com as suas ideias preconcebidas. A vida torna-se simplesmente uma escola, não uma coisa a ser vivida, a ser desfrutada, a ser vivida extaticamente, plenamente, sem medo.
O meio exterior força o indivíduo, esmaga-o nesta estrutura de aço dos padrões, da moralidade, das ideias religiosas, dos éditos morais, e como o indivíduo é esmagado a partir do exterior, procura e foge para um mundo a que chama interior. Naturalmente, quando a mente está a ser distorcida, moldada, pervertida pelo meio exterior, e existe conflito constante no exterior, batalha constante, constantes falsos ajustamentos, a mente tem esperança de tranquilidade, de felicidade, de um mundo diferente; portanto o indivíduo edifica um paraíso romântico de escape no qual procura compensação pela perda e pelo sofrimento no mundo exterior. Por favor, conforme eu disse, vocês estão aqui para descobrir, para criticar, não para se oporem. Podem opor-se depois de terem reflectido muito cuidadosamente sobre o que tenho estado a dizer. Podem levantar barreiras se assim o desejarem, mas primeiro descubram plenamente o que é que quero transmitir; e para fazer isso têm que ser super-críticos, conscientes, inteligentes.
Conforme disse, sendo esmagado pelas circunstâncias externas que geram sofrimento, e num esforço para fugir dessas circunstâncias exteriores, o indivíduo cria um mundo interior, começa a desenvolver uma lei interior e cria as suas próprias restrições individuais, a que chama autodisciplina, ou cooperação com isso que ele aprendeu a chamar o seu eu superior.
A maior parte das pessoas – as chamadas pessoas espirituais – rejeitaram a força exterior do meio e a sua influência, mas desenvolveram uma lei interior, um padrão interior, uma disciplina interior, a que chamam trazer o eu superior ao inferior; isso é, por outras palavras, apenas substituição. Há portanto autodisciplina. Depois há aquilo a que se chama a voz interior, cujo poder e controlo é muito maior até mesmo que o meio exterior. Mas qual é afinal a diferença entre um e outro, o exterior e o interior? Ambos controlam, pervertem a mente que é inteligência, através do desejo de auto-perpetuação. E têm também aquilo a que chamam intuição, que é apenas a realização liberta das vossas próprias esperanças secretas e desejos secretos. Encheram assim o mundo interior, aquilo a que chamam mundo interior, com tudo isto – autodisciplina, a voz interior, intuição. Tudo isso são, se chegarem a pensar nisso, formas subtis daquele mesmo conflito, levado para um mundo diferente no qual não há compreensão, mas apenas uma moldagem, um ajustamento a um meio mais subtil, a que chamam mais espiritual.
Sabem que no mundo exterior alguns procuraram e encontraram distinções sociais, e da mesma maneira as pessoas chamadas espirituais simplesmente procuram neste mundo interior, e geralmente encontram, os seus pares e superiores espirituais; e mais uma vez, tal como há conflito no exterior entre indivíduos, assim é gerado neste mundo interior um conflito espiritual entre ideais, consecução, e as suas próprias ânsias. Vêem portanto o que foi criado.
No mundo exterior não existe expressão para a mente nublada pela memória, para essa consciência do “eu” não há expressão, porque o meio é demasiado forte, demasiado poderoso, demasiado esmagador; aí encaixam no molde, ou se o não fizerem, são despedaçados. Portanto desenvolvem um meio interior ou uma forma mais subtil de meio, no qual tem lugar exactamente o mesmo processo. Esse meio que criaram é uma fuga do exterior, e aí novamente têm padrões, leis morais, intuições, o eu superior, a voz interior, e constantemente se ajustam a eles. Isto é um facto.
Em essência estas restrições a que chamamos o exterior e o interior nascem da ânsia, e portanto há medo, e do medo chega a restrição, a compulsão, a influência, e o desejo de poder, que são apenas as expressões exteriores do medo. Onde há medo não pode haver inteligência, e enquanto não tivermos compreendido isso, tem que haver divisão na vida como exterior e interior, e por isso as nossas acções tem que ser sempre influenciadas, sejam compelidas pelo exterior, e por isso falsas, ou compelidas pelo interior, igualmente falsas, porque no interior também estão simplesmente a tentar ajustar-se a outros determinados padrões.
O medo é criado quando o falso procura a sua perpetuação no meio falso. E Portanto, o que acontece à nossa acção, que é a nossa conduta diária, ao nosso pensamento e emoção, o que lhes acontece?
A mente e o coração moldam-se ao meio, ao meio exterior, mas quando descobrem que não podem, porque a compulsão se torna demasiado forte, voltam-se então para uma condição interior na qual a mente e o coração procuram perfeita tranquilidade e satisfação. Ou satisfizeram-se exaustivamente através de consecuções económicas, sociais, religiosas ou políticas, e depois voltam-se para o interior, aí também para ser bem sucedidos, para ter sucesso, para obter; e para obter, têm que ter sempre uma culminação, uma meta, que se torna apenas na condição à qual a mente e o coração se estão constantemente a ajustar.
Portanto, o que acontece entretanto aos nossos sentimentos, às nossas emoções, aos nossos pensamentos, ao nosso amor, à nossa razão? O que acontece quando estão simplesmente a ajustar-se, quando estão simplesmente a modificar, a alterar? O que acontece a qualquer coisa – o que acontece a uma casa cujas paredes vocês simplesmente decoram embora as fundações estejam podres? Da mesma maneira os nossos pensamentos e as nossas emoções simplesmente tomam forma, alterando-se, modificando-se segundo um padrão, seja um padrão externo ou um interno; ou de acordo com uma compulsão externa ou com uma direcção interna. As nossas acções são tão enormemente limitadas através da influência, que toda a razão se torna simplesmente uma imitação de um padrão, um ajustamento a uma condição, e o amor torna-se simplesmente numa outra forma de medo. Toda a nossa vida – afinal a nossa vida são os nossos pensamentos e as nossas emoções, as nossas alegrias e as nossas dores – toda a nossa vida permanece incompleta, todo o nosso processo de pensamento ou a expressão dessa vida é apenas um ajustamento, uma modificação, nunca uma plenitude, uma perfeição. E por isso surge problema atrás de problema, o ajustamento ao meio que tem que mudar constantemente, e a conformidade aos padrões que também têm que variar. Assim prosseguem nesta batalha, e a esta batalha chamam evolução, o desenvolvimento do eu, a expansão dessa consciência que é apenas memória. Inventaram palavras para apaziguar a vossa mente, mas continuam com esta luta.
Ora, se realmente ponderarem sobre isto – e penso que têm uma oportunidade durante estes dias, aqueles de vocês que ficam aqui tranquilamente – se reconhecerem isto e sem o desejo de alterar, sem o desejo de modificar, se derem conta deste meio exterior, destas circunstâncias, condições, e do mundo interior no qual existem as mesmas condições, os mesmos meios, que apenas denominaram com nomes mais subtis, mais encantadores; se realmente se derem conta disto, então começarão a compreender o verdadeiro significado do exterior e do interior; há uma percepção imediata, a libertação da vida; nessa altura a mente torna-se inteligente e pode funcionar naturalmente, criativamente, sem esta batalha constante. Então a mente – a inteligência – reconhece os obstáculos, e devido à sua compreensão destes obstáculos, penetra; não há ajustamento, não há modificação, só há compreensão. A partir desta altura a mente não depende do exterior ou do interior, e nessa consciência não há desejo, não há ânsia, mas sim a percepção daquilo que é verdadeiro. Para perceber o que é verdadeiro, não pode haver ânsia.
Sabem, quando há uma ânsia, a vossa mente está já nublada, está já pervertida, porque a mente se identifica com uma e rejeita outra – onde há ânsia não há compreensão, mas quando a mente não se identifica com o “eu” mas se dá conta tanto do exterior como do interior, das divisões subtis, das variadas emoções, dos delicados matizes da mente a dividir-se como memória e inteligência – então nessa consciência verão o significado total do meio que criámos durante os séculos, desse meio a que chamamos externo, e daquele a que chamamos interno, ambos os quais estão continuamente a mudar, ajustando-se um ao outro. Tudo o que lhes interessa agora é modificação, alteração, ajustamento, e por isso tem que haver medo. O medo tem o seu instrumento na compulsão, e a compulsão só existe quando não há compreensão, quando a inteligência não funciona normalmente.