Amigos, como houve tantos equívocos e más interpretações nos jornais e revistas com respeito a mim, penso que seria melhor se eu fizesse uma declaração para clarificar a posição. As pessoas geralmente desejam ser salvas por outra, ou por algum milagre, ou por ideias filosóficas; e eu receio que muitos venham aqui com este desejo, esperando que pelo simples facto de me ouvirem encontrarão uma solução imediata para os seus muitos problemas. Nem a solução para os seus problemas nem a sua chamada salvação pode chegar através de qualquer pessoa ou de qualquer sistema de filosofia. A compreensão da verdade ou da vida está no nosso próprio discernimento, na nossa própria perseverança e clareza de pensamento. Porque a maior parte de nós somos demasiado indolentes para pensarmos por nós próprios, aceitamos cegamente e seguimos pessoas ou apegamo-nos a ideias que se tornam o nosso meio de fuga em tempo de conflito e sofrimento.
Em primeiro lugar, quero esclarecer que não pertenço a nenhuma sociedade. Não sou teósofo nem missionário teosófico, nem vim aqui para os converter a nenhuma forma particular de crença. Não penso que seja possível seguir alguém, ou aderir a uma determinada crença, e ao mesmo tempo ter a capacidade de pensar claramente. Eis porque a maioria dos partidos, sociedades, seitas, corpos religiosos, se tornam meios de exploração.
Nem trago uma filosofia oriental, instigando-os a aceitá-la. Quando falo na Índia dizem-me que o que digo é uma filosofia ocidental, e quando venho aos países ocidentais, dizem-me que trago um misticismo oriental que é impraticável e inútil no mundo da acção. Mas se realmente chegarem a reflectir sobre isso, o pensamento não tem nacionalidade, nem está limitado por nenhum país, clima ou povo. Portanto por favor não suponham que o que vou dizer é o resultado de algum preconceito racial peculiar, idiossincrasia, ou peculiaridade pessoal. O que tenho a dizer é real, real no sentido de que pode ser aplicado à vida presente do homem; não é uma teoria baseada em algumas crenças ou esperanças, mas é praticável e aplicável ao homem.
Ora bem, o pleno significado do que eu vou dizer só pode ser compreendido através da experimentação e portanto através da acção. A maior parte de nós gosta de discutir questões filosóficas em que as nossas acções diárias não tomam parte; ao passo que, isso de que falo não é uma filosofia ou um sistema de pensamento, e o seu profundo significado só pode ser compreendido através da experiência, através da acção.
O que eu digo não é uma teoria, uma crença intelectual para ser simplesmente discutida, para ser argumentada; exige muito pensamento; e só na acção, não pelo debate intelectual, podem descobrir se é verdadeiro e prático. Não é um sistema a ser memorizado, nem é um conjunto de conclusões que podem ser aprendidas e automaticamente levadas a cabo. Tem que ser compreendido criticamente. Ora a crítica é diferente da oposição. Se forem realmente críticos, não se oporão simplesmente, mas tentarão descobrir se o que digo tem em si qualquer mérito intrínseco. Isto exige clareza de pensamento da vossa parte, para que possam trespassar a ilusão das palavras, não permitindo que os vossos preconceitos, sejam religiosos ou económicos, os impeçam de pensar profundamente. Isto é, têm que pensar a partir do próprio início, simples e directamente. Todos nós fomos educados com muitos preconceitos e ideias preconcebidas, fomos criados em tradições supurantes e limitados pelo meio, e portanto o nosso pensamento é continuamente pervertido e deformado, impedindo assim a simplicidade de acção.
A questão da guerra, por exemplo. Vocês sabem, são tantos os discutem a rectidão e o erro da guerra. Por certo que não pode haver duas maneiras de olhar para a questão. A guerra, defensiva ou ofensiva, está fundamentalmente errada. Agora, para pensar a partir do princípio no que respeita a essa questão, a mente tem de estar inteiramente livre da doença do nacionalismo. Somos impedidos de pensar profundamente, directamente, simplesmente, devido aos preconceitos que têm sido explorados através dos tempos sob a capa do patriotismo, com os seus absurdos.
Criámos portanto através dos séculos muitos hábitos, tradições, preconceitos, que impedem o indivíduo de pensar completamente, fundamentalmente sobre as questões humanas vitais.
Ora para compreender os muitos problemas da vida, com as suas variedades de sofrimento, temos que descobrir por nós próprios os motivos e as causas fundamentais, com os seus resultados e efeitos. A menos que estejamos plenamente conscientes das nossas acções, da sua causa e efeito, exploraremos e seremos explorados, tornar-nos-emos escravos dos sistemas e as nossas acções serão unicamente mecânicas e automáticas. Até que possamos libertar conscientemente as nossas acções do seu efeito restritivo, através da compreensão do significado da sua causa, a menos que nos libertemos das velhas formas de pensamento que edificamos em nosso redor, não seremos capazes de penetrar as inumeráveis ilusões que criamos à nossa volta e nas quais estamos entravados.
Cada um tem que perguntar a si próprio o que está a procurar, ou se está simplesmente a ser conduzido pelas circunstâncias e condições, e é portanto irresponsável, irreflectido. Aqueles de vocês que estão realmente insatisfeitos, que são críticos, têm que ter perguntado a si mesmos o que é que cada indivíduo procura. Procuram conforto, segurança, ou a compreensão da vida? Muitos dirão que procuram a verdade; mas se analisassem as suas ânsias, a sua busca, ver-se-ia que na realidade estão à procura de conforto, de segurança, de uma fuga do conflito e do sofrimento.
Ora se estão à procura de conforto, de segurança, essa procura tem que se basear na aquisição e portanto na exploração e na crueldade. Se dizem que procuram a verdade, tornar-se-ão prisioneiros da ilusão, porque não se pode correr atrás da verdade, não se pode procurar e encontrar; ela tem que acontecer. Isto é, o seu êxtase só se conhece quando a mente está completamente despojada de todas as ilusões que criou na procura da sua própria segurança e conforto. Somente então há o despontar daquilo que é a verdade.
Colocando as coisas de maneira diferente, temos que perguntar a nós próprios em que é que se baseiam a nossa vida, pensamento e acção. Se pudermos responder a isto completamente, com verdade, então podemos descobrir por nós próprios quem é o criador das ilusões, destas supostas realidades das quais nos tornamos prisioneiros.
Se realmente pensarem sobre isso, verão que toda a vossa vida se baseia na procura de segurança, protecção e conforto individuais. Nesta procura de segurança nasce, naturalmente, o medo. Quando procuram conforto, quando a mente está a tentar evadir a luta, o conflito, o sofrimento, ela tem que criar várias vias de fuga, e estas vias de fuga tornam-se as nossas ilusões. Portanto o medo, que é o resultado da procura individual de segurança, é o criador das ilusões. Isto leva-os de uma seita religiosa a outra, de uma filosofia a outra, de um instrutor a outro, para procurar essa segurança, esse conforto. A isto vocês chamam a procura da verdade, da felicidade.
Ora, não há segurança, não há conforto; existe apenas a clareza de pensamento que ocasiona a compreensão da causa fundamental do sofrimento, a única que libertará o homem. Nesta libertação reside a bem-aventurança do presente. Eu digo que há uma realidade eterna que só pode ser descoberta quando a mente está livre de todas as ilusões. Portanto tenham cuidado com a pessoa que lhes oferece conforto, porque nisto tem que haver exploração; essa pessoa cria uma artimanha na qual são apanhados como peixe na rede.
Na procura de conforto, de segurança, a vida veio a ser dividida em religiosa ou espiritual, e em económica ou material. A segurança material é procurada através das posses que dão poder e através desse poder esperam poder realizar a felicidade. Para alcançar esta segurança material, este poder, tem que haver exploração, a exploração do vosso semelhante através de um sistema estabelecido deliberadamente e que se tornou hediondo nas suas muitas crueldades. Esta procura de segurança individual, na qual está incluída também a da nossa própria família, criou a diferença de classes, os ódios raciais, o nacionalismo, e em última análise termina em guerras. E curiosamente, se prestarem atenção, a religião de deveria denunciar a guerra, ajuda à sua promoção. Os sacerdotes, que se supõe serem os educadores do povo, encorajam todas as inanidades que o nacionalismo cria e que cega as pessoas em momentos de ódio nacional. E vocês criam este sistema, baseado na segurança e no conforto individual, a que chamam religião. Criaram as organizações religiosas que são apenas formas cristalizadas de pensamento e que asseguram a imortalidade pessoal.
Entrarei em pormenores sobre esta questão da imortalidade numa das minhas palestras posteriores.
Portanto através da procura de segurança individual, através da exigência de continuação individual, vocês criaram uma religião que os explora através do clericalismo, através das cerimónias, através dos chamados ideais. O sistema a que chamam religião e que foi criado através da vossa própria exigência de segurança tornou-se tão poderoso, tão realista, que muito poucos se libertam do seu peso de tradição esmagadora e autoridade. O próprio princípio da verdadeira crítica reside no questionamento dos valores que a religião estabeleceu em nosso redor.
Ora cada um está preso nesta estrutura; e enquanto forem escravos de meios e valores inexplorados, não questionados, tanto passados como presentes, eles têm que perverter a plenitude da acção. Esta perversão é a causa do conflito entre o indivíduo que procura segurança, e as maiorias; entre o indivíduo e o movimento contínuo da experiência. Como individualmente criámos este sistema de exploração e limitação esmagadora, temos que individualmente e conscientemente demoli-lo compreendendo as bases da fundação desta estrutura e não unicamente criando novos conjuntos de valores, que serão apenas uma outra série de fugas. Assim começaremos a penetrar no verdadeiro significado de viver.
Afirmo que existe uma realidade, dêem-lhe o nome que quiserem, que somente pode ser compreendida e vivida quando a mente e o coração tiverem penetrado as ilusões e estiverem livres dos seus falsos valores. Só então existe o eterno.