Amigos, quero dar uma breve palestra antes de responder às perguntas, para explicar algo que talvez possa ser difícil de compreender. Tentarei torná-lo o mais simples e claro possível.
Penso que a maior parte de nós está a tentar descobrir o que é a verdadeira felicidade, porque sem se ser inteligentemente feliz, a vida torna-se muito superficial, inútil, e bastante monótona. E portanto, na procura daquilo a que chamamos felicidade, vamos de uma experiência para outra, de uma crença para outra, de uma teoria para outra, até que encontramos as tais crenças, as tais ideias, que nos dão satisfação. Ora estas satisfações são apenas fugas. A própria procura da felicidade resulta numa séria de fugas; podem ser, tal como disse, através da autoridade, através da sensação, através da mera multiplicação de experiências, e do aumento do poder. Estas fugas tornam-se padrões ou valores com os quais encobrimos o conflito.
Afinal, quando estão conscientes do conflito, há perturbação que cria infelicidade; e para fugir dessa infelicidade procuram várias experiências e procuram desenvolver determinados valores, padrões, medidas, que se tornam a vossa fuga. Gradualmente tornam-se assim inconscientes de tudo excepto desses padrões, e a vossa vida nada mais é que uma imitação viva desses valores que estabeleceram na vossa procura de felicidade.
Se examinarem, verão que a vossa mente e coração estão presos numa série de padrões ou valores. Estando tão limitada, a mente está sempre a conferir mais valores, a estabelecer mais padrões, e está sempre a julgar. Até que a mente se liberte deste processo contínuo de atribuir valores, jamais será fresca, nova; jamais estará criativamente vazia, se é que posso usar essa palavra sem ser mal interpretado. Porque só no vazio criativo há o nascimento da verdade.
O conflito, o sofrimento, é o processo de desagregar este hábito de atribuir valores. Vocês têm um conjunto de valores estabelecidos através da experiência, através da tradição, e estes valores tornaram-se os vossos guias; é com estes padrões e valores passados que abordam uma nova experiência, o que naturalmente tem que gerar conflito. Este sofrimento nada mais é que a desagregação dos velhos valores aos quais a mente se apega.
A própria essência da estupidez é fugir do conflito através de uma série de valores estabelecidos, ou através da formação de um novo conjunto de valores. A própria essência da inteligência é compreender a vida ou a experiência com uma mente e um coração não sobrecarregados, novos, frescos.
Em vez de irem ao encontro da vida sem quaisquer exigências preconcebidas, fazem-no com uma mente e um coração já com ideias preconcebidas, quase incapaz de um ajustamento imediato, de uma rápida flexibilidade. A falta deste discernimento instantâneo do movimento da vida gera sofrimento. O conflito é a indicação da dependência, que não pode ser superada, mas cujo significado tem que ser compreendido. Toda a conquista de obstáculos através de um novo conjunto de valores é simplesmente uma outra forma de fuga.
Poderiam dizer que uma mente que não confere valores é na realidade a mente de um primitivo. É verdade nesse sentido; o primitivo vai ao encontro da vida inconscientemente, incompletamente, sem compreender plenamente o seu significado. Mas ir ao encontro da vida completamente e compreender plenamente o seu significado, exige uma mente não condicionada pelo passado, e isto só pode acontecer através da consciência intensa, através do discernimento. Isto exige, ao contrário da mente primitiva, acção integrada no presente sem o impulso do medo ou a procura de uma recompensa. É a inteligência da completa solidão.
O êxtase da verdade só existe quando a mente e o coração, vulneráveis e não sobrecarregados, enfrentam a vida, o desconhecido, o incomensurável. Quando a mente não está sobrecarregada de valores, de memórias, de crenças preconcebidas, e é capaz de enfrentar o desconhecido, nesse encontro nasce a sabedoria, a bem-aventurança do presente. Portanto o conflito é o próprio processo de despertar o homem para a consciência plena; e se não estivermos continuamente conscientes, criamos uma série de fugas a que chamamos valores, embora possam mudar, e através daqueles valores tentamos encontrar a felicidade.
Os valores tornam-se o meio de fuga. Uma mente que está em conflito e o defronta sem tentar interpretar esse conflito segundo determinados valores torna-se plenamente, completamente consciente. Então essa mente e esse coração despertarão para a realidade da vida, para a bem-aventurança do presente.
Pergunta: Defende a renúncia e o espírito de sacrifício como um meio para encontrar a felicidade pessoal?
Krishnamurti: A felicidade pessoal não existe. Portanto não há meios para chegar a ela. Só existe o êxtase criativo da vida, cujas expressões são muitas. Esta ideia de sacrifício, renúncia, abnegação, é falsa. Vocês pensam que a felicidade se encontra através da desistência de determinadas coisas, do seguimento de determinadas acções. Portanto, na realidade estão a negociar, trocando o vosso sacrifício, a vossa abnegação, por felicidade. Não existe abnegação ou renúncia, mas apenas compreensão; e nela há felicidade criativa que não é pessoal, individualista.
Deixem-me expô-lo de uma maneira diferente. Eu começo a acumular porque a felicidade existe através da acumulação, mas verifico ao fim de um certo tempo que a posse não me traz felicidade. Em consequência começo a renunciar às posses e tento possuir e procurar a abnegação; que é somente uma outra forma de aquisitividade. Mas se eu discernir o significado inerente da possessividade, então aí há uma felicidade criativa.
Pergunta: Não é verdade que o essencial pode ser encontrado em todas as fases da vida, em tudo?
Krishnamurti: Não penso que haja o essencial ou o não essencial. O que é o essencial? O que é o não essencial? Um dia quero uma coisa e isso torna-se o mais essencial, o mais importante, e na posse dela, ela tornou-se o não essencial. Depois quero uma outra coisa; e assim continuo, movendo-me de um essencial que se torna não essencial, para outro essencial que por sua vez se torna o não essencial.
Por outras palavras, onde há uma ânsia nunca pode haver discernimento duradouro. Como a maior parte das pessoas é escrava da ânsia, estão no conflito constante do essencial e do não essencial. Da mera possessividade das coisas, que já não dão satisfação, vão para a posse mental e emocional das virtudes, da verdade, de Deus. Das coisas que uma vez foram essenciais, avançaram para a abstracção. Esta abstracção torna-se o essencial.
Não podemos olhar para a vida, não deste ponto de vista do essencial e do não essencial, mas sim a partir do que é inteligente, compreensivo? Porque temos esta divisão do essencial e do não essencial, do importante e do não importante? Porque estamos sempre a pensar em termos de aquisição, de obtenção; mas se o olharmos do ponto de vista da compreensão, então esta divisão cessa, então estamos a enfrentar a vida continuamente como um todo. Esta é uma das coisas mais difíceis de fazer, porque fomos e estamos a ser educados nos sistemas religiosos e económicos que impõem determinados conjuntos de valores. Para uma mente que não está realmente a atribuir valores mas está a tentar viver completamente, sem o desejo de obtenção, para uma mente assim não há graus de mudança de valores, e por isso não há conflito entre o impermanente e o permanente, entre o estacionário e o movimento constante da vida.
Pergunta: Está muito bem para si que fale das coisas fundamentais da vida, mas e então o homem comum?
Krishnamurti: O que é que estamos a discutir? Estamos a discutir, tanto quanto me diz respeito, como viver inteligentemente, e por isso divinamente, humanamente; não com esta brutalidade competitiva e implacável da aquisitividade, da exploração, já seja por uma classe ou por um mestre, seja económica ou religiosa. Tudo isto se aplica, naturalmente, a todos nós, isto é, ao homem comum. Eu não me separo da média, do homem comum. As pessoas que estão interessadas no homem comum separaram-se dele: Estão preocupadas com o homem médio. Porquê? Dizem, “Eu posso desistir da tradição, mas e o homem da rua? Se ele desistir dela, haverá caos.” Portanto ele tem que ter uma tradição, enquanto que as pessoas que se preocupam com ele não precisam de a ter.
Ora bem, se não estiverem a pensar em termos de distinções, seja de classe ou de necessidades, se discernirem o significado de uma coisa em si mesma, então ajudarão o homem da rua a libertar-se sem imposição, digamos, da tradição. Isto é, se estão convencidos da inutilidade da tradição, se vêem o seu significado, então naturalmente ajudarão o outro sem imposição, sem exploração. Ao compreenderem inteligentemente as coisas fundamentais da vida, ajudarão o outro a soltar-se deste caos cruel.
Se nós, todos nós aqui, na realidade sentíssemos profundamente sobre estas coisas, se na realidade compreendêssemos, agiríamos com inteligência. Em primeiro lugar, sem dúvida, temos que começar connosco próprios. Temos que lidar com as coisas fundamentais porque elas são as mais simples; e numa civilização que se está a tornar cada vez mais complexa, se não compreendermos por nós mesmos estas coisas simples e fundamentais, apenas incrementaremos a confusão, a exploração e a ignorância.
Portanto o que estamos a discutir aplica-se a toda a gente, e como têm a oportunidade que, infelizmente, nem toda a gente tem, se se tornarem conscientes, se se derem conta, e começarem a compreender e em consequência a agir, tal acção ajudará a dissipar a ignorância, a causa do sofrimento.
Pergunta: Como é que se pode fazer frente à memória e à obsessão das suas imagens?
Krishnamurti: Em primeiro lugar, compreendendo como a memória é formada, como é criada. Agora, conforme tentei explicar no outro dia, a memória nada mais é que acção incompleta. Não estou a incluir aí a capacidade de relembrar incidentes. Mas a memória é o resíduo, a cicatriz da acção que não foi completamente vivida ou completamente compreendida. Até que essa acção seja integralmente compreendida, a sua memória ou a sua cicatriz na mente continua. A mente é sobretudo o resíduo ou as cicatrizes de muitas acções incompletas e não realizadas. Se uma pessoa tiver consciência de classes ou se for religiosamente preconceituosa, naturalmente que não pode enfrentar uma experiência integralmente, completamente; aborda-a com os seus preconceitos, o que inevitavelmente gera um conflito. Enquanto uma pessoa não compreender a causa e o significado desse conflito, completamente, integralmente, têm que existir tais cicatrizes ou barreiras como memórias. Nesse conflito, se uma pessoa simplesmente fugir ou procurar substituições, então a memória como uma barreira tem que estar continuamente a perverter a plenitude da compreensão, a qual por si só é a realização da acção. Espero não estar a explicar isto em linguagem muito complicada.
Por exemplo, suponham que um homem nascido na Índia tem determinados preconceitos religiosos. Com estas perversões de pensamento, ele aborda a vida. Naturalmente não discerne o seu pleno significado, porque está sempre a olhar para a vida através destas perversões, e em consequência tem que haver conflito. A partir disto ele desenvolve uma série de memórias, barreiras auto-defensivas, a que chama valores. Tais reacções defensivas têm que perverter mais a compreensão da experiência ou da vida.
Quando uma pessoa compreende plenamente que o preconceito ou qualquer outra perversão está continuamente a corromper, a deformar, a plenitude da compreensão, então começa a estar consciente; nessa consciência descobre os impedimentos. Só se podem discernir os preconceitos, as fugas, os valores auto-defensivos que estão continuamente a deformar a experiência, através da chama da consciência, através da consciência plena, não através da auto-análise. Na própria plenitude da experiência em si estão as barreiras contra o discernimento que têm que ser descobertas e compreendidas, e não através da auto-análise ou auto-dissecação intelectual. Se estiverem intensamente conscientes na plenitude da experiência, então verão como as perversões, os impedimentos, as limitações, lhes surgem à frente.
Se a mente e o coração se puderem libertar destes valores, que são apenas memórias armazenadas para fins auto-defensivos, que herdaram ou adquiriram, então a vida é um eterno devir. Mas isso exige, tal como eu disse, uma grande determinação, uma investigação constante da causa e do significado do sofrimento, do conflito. Se estão em sossego com a vida, ou apenas à procura de satisfação, a bem-aventurança do presente eterno não é para vocês. É somente em momentos de grande crise, grande conflito, que a mente se liberta de todas estas acumulações e acreções auto-protectoras. Só então há o êxtase da vida, a verdade.
Pergunta: Se toda a gente renunciasse a todas as suas posses, como sugere, o que aconteceria a todos os negócios e às actividades comuns da vida? Se temos que viver no mundo, os negócios e as posses não são necessários?
Krishnamurti: Eu nunca disse para renunciarem. Disse que a aquisitividade é a causa a da competição, da exploração, das diferenças de classes, das guerras, etc.. Agora se se discernir o significado real da possessividade, seja de coisas ou de pessoas ou de ideias, que é em última análise a ânsia de poder em diferentes formas, se a mente se puder libertar disso, então pode existir felicidade inteligente e bem-estar no mundo. Nós edificamos, através de muitos séculos, um sistema de aquisitividade, de possessividade, procurando poder pessoal a autoridade. Ora enquanto isso existir nos nossos corações e nas nossas mentes, podemos modificar o sistema momentaneamente através de uma revolução, através das crises, através das guerras, mas enquanto essa ânsia existir, ela inevitavelmente conduzirá, sob outra forma, ao velho sistema. E, conforme eu disse, a ausência de aquisitividade não se aprende afinal através da postergação; tem de ser discernida imediatamente, e é aí onde reside a dificuldade. Se não pudermos ver a falsidade da possessividade imediatamente, então não seremos capazes individualmente, e por isso colectivamente, de ter uma civilização diferente, uma maneira diferente de viver.
Portanto todo o meu ataque, se é que posso usar essa palavra, não é sobre qualquer sistema, mas sobre esse desejo de possessividade, de aquisitividade, conduzindo seguramente ao poder.
Vocês pensam agora que a possessividade dá felicidade. Mas se pensarem profundamente sobre isso, verão que esta ânsia de poder não tem fim. É uma luta contínua na qual não há cessação do conflito, do sofrimento. Mas libertar a mente e o coração da aquisitividade é uma das coisas mais difíceis.
Sabem, na Índia temos certas pessoas chamadas sannyasis, que abandonam o mundo em busca da verdade. Têm geralmente duas tangas, uma que vestem, e a outra para o dia seguinte. Um sannyasi, em busca da verdade, procura vários mestres. Nas suas deambulações disseram-lhe que um certo rei era um iluminado, que ensinava a sabedoria. Assim este sannyasi foi ter com o rei. Podem ver o contraste entre o rei e o sannyasi: o rei que tinha tudo, palácios, jóias, cortesãos, poder; e o sannyasi que só tinha duas tangas. O rei instrui-o em relação à verdade. Um dia, enquanto o rei o ensinava, o palácio pegou fogo. Serenamente o rei continuou com o seu ensinamento, enquanto que o sannayasi, aquele homem santo, estava enormemente perturbado porque a sua outra tanga estava a arder.
Sabem, estamos todos nessa posição. Podem não ser possessivos no que respeita a roupas, casas, amigos, mas há uma procura de obtenção escondida à qual têm afecto, à qual se apegam, que está a desgastar os vossos corações e as vossas mentes. Enquanto estes venenos inexplorados, escondidos, existirem, tem que haver conflito e sofrimento contínuos.
Pergunta: Diz que não está afiliado a nenhuma organização, contudo obviamente está a fazer com que as pessoas pensem de determinada maneira. Pode o pensamento do mundo ser mudado sem uma organização cujo objectivo seja trazer as suas ideias constantemente perante o público?
Krishnamurti: Pergunto-me se estou a fazê-los pensar de uma determinada maneira precisa. Espero que não. Estou a tentar mostrar que pensar é necessário, estar apaixonados é necessário; e para pensarem profundamente e estar muito apaixonados, não podem ter um armazém de reacções auto-defensivas e memórias. Sem dúvida que quando estão apaixonados estão vulneráveis. Se eu apenas os faço pensar de uma determinada maneira, então por favor tenham cuidado comigo, porque então forçá-los-ei e portanto explorá-los-ei, e vocês explorar-me-ão para os vossos próprios e variados fins.
O que estou a dizer é que para viver com grandeza, para pensar criativamente, tem que se estar completamente aberto para a vida, sem qualquer reacção auto-protectora, como vocês estão quando estão apaixonados. Assim devem estar apaixonados pela vida. Isto exige grande inteligência, não informação ou conhecimento, mas essa grande inteligência que é despertada quando enfrentam a vida abertamente, completamente, quando a mente e o coração estão totalmente vulneráveis à vida.
Vocês perguntam, “Pode o pensamento do mundo ser mudado sem uma organização cujo objectivo seja trazer as suas ideias constantemente perante o público?” Naturalmente que não, têm que ter uma organização; isso é óbvio. Portanto não precisamos de o discutir. Mas quando falam sobre organização, penso que querem dizer uma coisa muito diferente. Converter pessoas a determinadas crenças, forçá-las, impeli-las através da opinião, através da pressão, a adoptar um certo método, certas ideias – a maior parte das organizações são formadas com esse objectivo, não apenas para imprimir livros e distribui-los. É assim que são formadas todas as religiões. É assim que os seguidores destroem os mestres, tornando os seus ensinamentos em dogmas absolutos que se tornam a autoridade para a exploração. Para esse objectivo, é necessária uma organização do género errado. Ao passo que, se estiverem interessados nesta ideias que estou a explicar, naturalmente ajudarão a imprimir e a distribuir livros, mas sem o desejo de converter, de explorar.
Pergunta: Mesmo embora tenham passado para além da necessidade de autoridade organizada, a maior parte das pessoas está perturbada com o conflito interior entre desejo e medo. Pode explicar como distingui-los, ou o que considera o verdadeiro desejo?
Krishnamurti: Existe tal coisa como o verdadeiro desejo? O desejo essencial e o desejo não essencial? Um dia querem um chapéu, no outro um carro, e assim por diante, satisfazendo as vossas ânsias. Contudo num outro dia querem alcançar a verdade mais elevada ou Deus. Passam por toda uma série de desejos. Qual é o essencial em tudo isto? As coisas são essenciais; o amor é essencial; a compreensão da verdade é essencial. Portanto porquê separar o desejo em falso e verdadeiro, importante e não importante? Podem olhar para ele de maneira diferente, enfrentar o desejo inteligentemente? As vossas mentes estão tão estropiadas com valores contraditórios que não conseguem discernir verdadeiramente.
Pergunto-me se estou a esclarecer isto. Suponham que são possessivos. Não digam para si próprios, “Bem, ouvi esta tarde que não devo ser possessivo, portanto vou-me livrar desse desejo.” Não desenvolvam a resistência contrária. Se são possessivos, estejam completamente e integralmente conscientes disso; então verão o que acontece. A mente tem que se libertar deste desejo contraditório, o desejo comparativo que é na realidade uma reacção auto-protectora contra o sofrimento. Então discernirão o total significado da aquisitividade. Só podem compreender a aquisitividade, ou qualquer outro problema, no seu isolamento, não trazendo-o à comparação, à oposição. Só quando não há desejo contraditório ou oposto, é que há então discernimento do verdadeiro significado do desejo. A contínua contradição no desejo gera medo, e onde há medo, tem que haver fuga. E portanto segue-se uma batalha incessante entre o desejo, a razão, o anseio por realização, e os seus opostos.
Nesta batalha, a inteligência, a verdadeira realização, perde-se totalmente. Enquanto a mente estiver presa neste conflito de opostos, só pode haver uma fuga, uma substituição, como o essencial e o não essencial, o falso e o verdadeiro. Não há nisto felicidade criativa.
Pergunta: Não há momentos em que uma pessoa precisa de se separar da confusão exterior para ajudar a realização do verdadeiro eu?
Krishnamurti: Se põem as necessidades primeiro, elas tornam-se então os vossos amos e a inteligência é destruída. Descobrir as vossas necessidades exige inteligência, porque as necessidades estão constantemente a mudar, constantemente a renovar-se. Mas se se propuserem descobrir exactamente quais são as vossas necessidades, e tendo-as descoberto, se limitarem a essas necessidades, então a vossa vida tornar-se-á muito superficial, tacanha, insignificante.
Assim, da mesma maneira, se procurarem a solidão simplesmente para descobrir o que é a verdade, então a solidão torna-se apenas um meio de fuga. Mas na vossa busca durante a vossa vida activa chegam naturalmente períodos de solidão. Estes momentos de solidão então não são falsos; são naturais, espontâneos.
Pergunta: Disse na segunda-feira que para ter inteligência verdadeira, uma pessoa tem que ter passado através de um estado de grande solidão. É esta a única maneira de chegar à verdadeira inteligência?
Krishnamurti: Vamos considerar o que fazemos agora. Procuramos segurança, rodeando-nos constantemente de certezas. Sempre que acontece um estado de completa incerteza, dúvida, imediatamente fugimos dele. Estabelecemos portanto de tranquilizantes seguranças, certezas. Por favor reflictam sobre isto e verão que isto é assim. E só quando estão despojados de toda a esperança, no sentido de segurança, certeza, só quando estão completamente despidos, despojados de todas as medidas e reacções protectoras, é que há o êxtase da verdade. Nesses momentos de completa solidão, que só chega quando todas as fugas e o seu significado foram verdadeiramente discernidos, é que existe a bem-aventurança do presente.