Amigos, a maior parte de nós está a tentar resolver as nossas muitas dificuldades e problemas dentro da distinção artificial que criámos entre o grupo e o indivíduo. Ora, para mim, tal distinção como o indivíduo em oposição a um grupo, perverte e destrói a clareza do pensamento, e uma perversão assim conduzirá, naturalmente, a muitas repressões e exageros entre o indivíduo e o grupo.
Enquanto procuramos maneiras e meios para sair deste caos, são oferecidos métodos hábeis e complicados, e cada indivíduo escolhe a solução de acordo com a sua idiossincrasia particular, dependendo da sua educação social e fantasias religiosas.
Não quero acrescentar, às já existentes, quaisquer novas teorias ou explicações. Para mim, a verdadeira solução dos nossos problemas é através da inteligência, a qual tem que ser directa, simples; quando existe uma inteligência assim podemos compreender a vida como um todo.
Ora, esta inteligência não se desperta seguindo qualquer grupo ou qualquer sistema ou obedecendo às nossas próprias idiossincrasias e fantasias. Para despertar a verdadeira inteligência temos que investigar primeiro as muitas estupidezes que estropiam a mente e o coração, e não procurar uma definição de inteligência; porque, quando descobrirmos quais são as estupidezes e libertamos a mente delas através da consciência constante, seremos então capazes de saber por nós próprios o que é a verdadeira inteligência.
Descobrindo por nós mesmos as limitações que o meio colocou em nosso redor e discernindo o seu verdadeiro significado e soltando-nos assim das estupidezes, começaremos a compreender o que é a verdadeira inteligência. A expressão dessa inteligência na acção é a imortalidade; é a bem-aventurança de viver no presente.
Vocês têm muitas ideias relativas à plenitude da vida e à imortalidade. Mas, para mim, esta imortalidade, esta riqueza, esta plenitude de vida só pode ser compreendida e vivida quando a mente estiver totalmente livre de limitações, de estupidezes, que o meio, passado e presente, herdado ou adquirido, coloca continuamente em nosso redor.
Portanto, por favor, se me permitem sugerir, não contem comigo para novas explicações durante esta palestra, ou para um novo conjunto de fórmulas, ou definições. Tais explicações e fórmulas só oferecem meios de fuga do conflito. A maior parte das mentes deseja copiar, imitar, seguir, porque não podem pensar por elas próprias, ou então o conflito é tão intenso que preferem fugir através de sistemas, através de definições, através de explicações. Só estando continuamente conscientes do meio e da imposição das suas sempre crescentes estupidezes, só pelo constante questionamento destas, é que acabamos com as fugas, e ficamos frente a frente com o conflito, o que nos dá a capacidade de compreender o meio inteligentemente.
O que quero explicar durante esta palestra é como criamos as estupidezes; sem compreender esta criação contínua, inconsciente, a mera investigação sobre o que é a inteligência apenas nos oferece outro escape. Portanto, toda a nossa indagação deveria ser direccionada para o que é a estupidez e a sua causa, mais do que para o que é a inteligência.
Tal como eu disse, até que tentemos libertar a mente daquelas estupidezes que o meio, passado e presente, criou à nossa volta, e pelas quais mutila a nossa acção, até que as percebamos e compreendamos o seu verdadeiro significado, até lá a nossa indagação sobre a inteligência não é senão inútil.
O objectivo da minha palestra é ajudá-los a descobrir quais são as estupidezes e como se podem libertar delas.
Ora bem, cada especialista, cada autoridade, cada seita, cada partido, oferece uma saída deste conflito crescente que sabemos que existe. Cada um deles expõe uma ideia, uma teoria, um método para a solução desta complicação aterradora. Podemos dividir, penso eu, estes teóricos, ou as pessoas que dão explicações, em duas espécies: aqueles que estão voltados para o exterior, e aqueles que estão voltados para o interior.
O homem que está voltado para o exterior diz que todos os problemas humanos podem ser resolvidos controlando o meio. Isto é, ele diz que o pensamento humano pode ser mudado, alterado, controlado, através da organização, seja do trabalho ou dos meios de produção e distribuição, e assim por diante. Ele considera o homem como barro a ser condicionado pelo meio, e portanto controlando esse meio e aperfeiçoando o grupo, o indivíduo terá uma oportunidade de se expressar. Isto é, já não será anti-social porque, sendo simplesmente barro a ser condicionado, o seu meio pode ser controlado e portanto as suas ambições, a sua visão, os seus desejos nunca se oporão ao grupo e nunca serão anti-sociais. O homem será então condicionado de acordo com um novo conjunto de ideias e teorias para que nunca entre, como indivíduo, em conflito com o grupo ou com a sociedade.
Se pensam que o homem não é nada mais que matéria a ser condicionada, a ser moldada, a ser controlada, então nada mais há a dizer. Então a vida é muito simples. Vamos todos, então, trabalhar para a mera perfeição do meio, seguindo um determinado conjunto de teorias e ideias, e ser condicionados por elas.
Ora, não estou nem contra nem a favor deste ponto de vista. Quero investigá-lo de uma maneira mais completa. Se o homem é simplesmente uma entidade social e se alterando as circunstâncias e o meio e criando nele o hábito de procurar só o bem-estar do grupo para que não seja anti-social – se é só isso, então, parece-me, a vida torna-se muito trivial, uma série de acções não realizadas, superficiais.
Têm também o homem voltado para o interior, que diz que a vida nada mais é que espírito. Deixem-na a cargo, diz ele, do mais elevado no homem e deixem-no seguir isso que é mais elevado, como demonstrado pelos mestres, pelos vários sistemas filosóficos; deixem-no tornar-se mais religioso, deixem-no seguir os grandes líderes, deixem-no ter disciplina, entrar para as organizações espirituais e obedecer à autoridade espiritual, e ser guiado através do medo, para que eventualmente conquiste as circunstâncias, o meio.
Têm assim os exageros do homem que está voltado para o exterior e os exageros do homem que está voltado para o interior: a pessoa que diz que o homem nada mais é que barro para ser sempre condicionado; e o outro, o homem voltado para o interior, o assim chamado homem espiritual que insiste primeiro na mudança do íntimo.
Temos portanto estes dois tipos. A ênfase ou o exagero de um ou de outro destrói a sua própria finalidade. O homem que diz “o meio primeiro” ou o homem que diz “o espírito primeiro”, cada um através dos seus exageros e da sua falsa ênfase, destruirá os seus próprios fins. Ao passo que para mim a solução, ou antes, a maneira de pensar, o verdadeiro despertar da inteligência que pode resolver os inumeráveis conflitos e problemas, sociais e individuais, reside no equilíbrio perfeito entro os dois, muito mais além dos dois, e esse equilíbrio é o caminho simples e directo.
Estudar os vários sistemas filosóficos e económicos, estudá-los todos minuciosamente para se ser capaz de comparar, exige grande esforço, e poucos têm o tempo, a capacidade, ou a inclinação, para penetrar através raciocínios e teorias complicados de tais sistemas. E que acontece quando não têm tempo de investigar as explicações dos inúmeros especialistas que competem entre si? Escolhem um de quem gostam, que pensam que é razoável; e como não têm tempo de investigar cuidadosamente o seu sistema, simplesmente aceitam a sua autoridade. Quanto mais eminente o especialista, maior a autoridade, maior o seguimento dessa autoridade.
Assim, gradualmente os seguidores tornaram-se cegos e simplesmente aceitam dogmas, e os líderes destroem os seguidores e os seguidores por sua vez destroem os líderes. Gradualmente criamos um outro conjunto de estupidezes baseadas num novo conjunto de dogmas que originalmente eram teorias e tornamo-nos escravos deles.
Ora, para mim, as teorias têm muito pouco valor; porque um homem que está constantemente em conflito com o meio, tanto passado como presente, está constantemente a discernir, a penetrar, a tentar compreender, e por isso está a viver completamente no presente. Para um homem assim não há necessidade de teorias ou explicações. Mas isso exige grande persistência de pensamento, grande consciência, grande penetração no verdadeiro significado do meio sempre em mudança. Como a maioria das pessoas não pode fazer isso, aceita teorias que se tornam os seus mestres, os seus factos, as suas realidades.
Naturalmente, isto também se aplica aos especialistas religiosos a quem consideramos como os nossos guias espirituais. Agora peguem na religião, isto é, a religião como crença organizada, e verão que a autoridade do especialista é suprema. O padrão é exposto e vocês são forçados através da pressão da opinião pública, através do medo, e assim por diante, a segui-lo. Esta adoração da autoridade, esta adoração do especialista sem conhecer as suas limitações é, para mim, a própria raiz da exploração.
Portanto, todo o processo do viver, que deveria ser uma realização contínua e por isso uma penetração contínua na realidade, no que é verdadeiro, é completamente destruído através desta adoração da autoridade, dos especialistas, dos credos, das teorias. Todo o processo é tornar o indivíduo subserviente, fazê-lo obedecer e seguir. Assim ele torna-se gradualmente inconsciente de tudo excepto do padrão, e existe tanto quanto pode dentro dos éditos desse padrão, e a isso chama viver. O meio torna-se somente o molde para o conformar. Assim, então, o individuo, tal como é agora, nada mais é que a expressão exagerada do meio, sendo o meio o passado e o presente, o herdado e o adquirido.
Para mim, isto não é a verdadeira individualidade. Através da compreensão do significado do meio, passado e presente, e ficando por isso livres dele, a inteligência é despertada, e a expressão dessa inteligência é a verdadeira individualidade.
Ora vocês são condicionados pelo meio. São o resultado do vosso meio passado e presente, e o que expressam, chamando-o de individualidade ou auto-expressão, nada mais é que a expressão desse meio condicionante. Para mim, a verdadeira expressão da individualidade é essa inteligência que é despertada através da libertação da mente do meio condicionante do passado e do presente.
A próxima coisa que temos que descobrir é se algum sistema pode ajudar a despertar esta inteligência. Ou apenas impõe outro conjunto de estupidezes, mais limitações? Porque se pudermos encontrar um sistema perfeito, então podemos entregar-nos a ele e tornar-nos inteligentes.
Para mim, os sistemas são apenas a cristalização do pensamento, e o grupo é apenas a expressão desse pensamento. Podem eles, estes pensamentos cristalizados, se os seguirem, despertar a inteligência? Ou têm que começar, não se considerando um indivíduo, ou um grupo, a discernir por si próprios as estupidezes criadas através da falsa divisão do grupo e do indivíduo, isto é, não se considerando como indivíduos, ou como um grupo, a pensar de uma maneira nova, a pensar desde o princípio para serem capazes de compreender o verdadeiro significado de cada meio, de cada limitação? Porque se não puderem ser assim activos, emocional e mentalmente, separados de um sistema, o mero seguimento de um sistema, e sendo activos nele, não desperta a inteligência.
Ora, uma inteligência assim, quando é despertada, pode verdadeiramente cooperar, não com estupidezes mas com outras inteligências. Vejam, por exemplo, o que está a acontecer com respeito à guerra. Para compreender toda a questão da guerra temos que pensar mesmo do princípio, não do ponto de vista nacionalista, racial, ou de classes. Intrinsecamente, a guerra é má. Não há desculpa para a guerra enquanto houver inteligência a funcionar. Mas como somos, na generalidade, governados por políticos, exploradores, e por gentes desse estilo, somos forçados a uma guerra após outra, e muitas razões são dadas para a inevitabilidade e necessidade das guerras.
Enquanto não pensarem claramente, profundamente, a partir do princípio, com respeito a esta questão, um dia serão pela paz e no dia seguinte serão pela guerra, porque não descobriram por si mesmos fundamentalmente as crueldades terríveis, os ódios raciais, as explorações que geram a guerra. Só haverá paz quando houver uma inteligência desperta, não só da vossa parte mas da parte dos políticos, dos governantes.
Descobrir o que é verdade exige uma grande inteligência. A inteligência, para mim, não é o conhecimento dos livros. Vocês podem ser muito instruídos e contudo ser estúpidos. Podem ler muitas filosofias e contudo não conhecer a bem-aventurança do pensamento criativo, que só pode existir quando a mente e o coração começam a libertar-se através do conflito, através da consciência constante, das estupidezes do passado e das que estão a ser edificadas. Só então existe o êxtase daquilo que é verdadeiro.
Pode alguém dizer-lhes o que é verdadeiro? Pode alguém dizer-lhes o que é Deus? Ninguém pode; tem que o descobrir por si próprios. Portanto, para descobrir o que é verdadeiro, qual é o significado da vida, o que é a imortalidade, sem a qual a vida se torna uma trivialidade caótica, um sofrimento cego, sem sentido, têm que ter inteligência; e para despertar essa inteligência têm que despojar a mente e o coração das estupidezes.
A primeira causa da estupidez é essa consciência que se aferra ao particular e cria por isso a distinção entre si e o grupo, essa consciência cuja própria essência é o pensamento de aquisitividade, do “meu”. Esta consciência limitada é a própria raiz e causa da estupidez, do sofrimento.
Uma das suas manifestações é a ânsia constante de segurança, segurança no domínio de todo o nosso ser, fisicamente, emocionalmente, e mentalmente. Na procura dessa segurança é-se obrigado a ter conflito entre o que nós chamamos o indivíduo e o grupo, os exageros do indivíduo em contraposição ao grupo, conduzindo a constante atrito, luta, e sofrimento.
Podem ver que esta procura de segurança física se expressa nas posses, com todas as suas crueldades, com as suas explorações, e nas muito horríveis estupidezes tais como o nacionalismo, as guerras de classes, o ódio racial.
Também, emocionalmente, o amor tornou-se apenas possessividade. Perdeu o seu êxtase criativo. É uma série de conflitos possessivos. A sua ternura, a sua grande profundidade, a sua qualidade eterna, o seu profundo êxtase são destruídos através deste desejo de possuir.
Depois há a ânsia mental de certeza. É por isso que há o culto da autoridade, o culto dos mestres. Por isso a procura incessante do derradeiro, para que a vossa mente possa apegar-se a isso. Por isso a vossa constante indagação sobre a verdade, sobre Deus; e veneram o homem que lhes garante a certeza de Deus, da verdade, da imortalidade, porque isso lhes dá conforto, segurança.
Gradualmente esta exigência de segurança destrói a inteligência. A mente, através da experiência, acumula cuidadosamente e protege seguranças auto-defensivas, memórias, que impedem o constante ajustamento ao eterno movimento da vida.
A experiência está a maior parte do tempo a criar seguranças, memórias auto-defensivas, e vocês enfrentam a vida com estas barreiras, que inevitavelmente têm que trazer conflito e sofrimento. Isto não significa que têm que esquecer o passado. O que quero explicar é que, como fisicamente procuramos segurança, também mentalmente procuramos mover-nos da incerteza para a certeza, que por sua vez se torna incerta, processo este em que nunca há um momento de completa e iniludível solidão.
Asseguro-lhes que, quando há completa nudez, absoluto desespero, então nesse momento de insegurança vital nasce a chama da inteligência suprema, a bem-aventurança da verdade. Na procura de segurança surge o medo, que gera muitas ilusões, falsas disciplinas, repressões, perversões, o medo da morte e a indagação sobre o além.
Porque estão tantos interessados no além? Porque a vida aqui é tão superficial, tão condicionada pelo meio, tão contraditória, caótica, desarrazoada, sem alegria, sem êxtase; por isso dirigem o olhar para o futuro, e daqui surge a indagação sobre o além.
A imortalidade é um devir contínuo, não dessa consciência a que chamamos o “eu”, mas dessa inteligência que está liberta tanto do particular como do grupo, liberta dessa consciência que cria distinções. Isto é, quando a mente é despojada de todas as ilusões ou da ignorância é capaz de discernir o presente infinito. É uma coisa que não podem explicar, sobre a qual não podem raciocinar. Está para além de qualquer argumento. Tem que ser experimentada. Tem que ser vivida. Exige grande persistência e constante determinação.
Ora este parece-me ser o estado do mundo. O caos causado pelo conflito de muitas teorias leva a práticas estúpidas e divisões; e, à medida que o tempo passa, estamos simplesmente a acumular conhecimento de teorias, a aumentar divisões amargas, a criar movimentos em massa para experiências contraditórias, e neste conflito em que estamos imersos, a inteligência, que é a verdadeira expressão e o verdadeiro modo de vida, é completamente esquecida.
É este o estado do mundo à nossa volta. Qual deveria ser a nossa acção? Qual deveria ser a nossa atitude, o nosso pensamento? Vamos esperar pelo aperfeiçoamento do meio através da revolução, através das mudanças económicas, através da convulsão política? Esta espera é apenas uma fuga, este olhar para o futuro é apenas outra fuga através da esperança, é apenas uma postergação. Ou, não se considerando como indivíduos ou como grupos, começarão a pensar de uma maneira nova, a partir mesmo do princípio, sacudindo assim as muitas estupidezes que se tornaram virtudes, as muitas coisas que aceitaram como verdadeiras, para que em verdadeira simplicidade e rectidão de pensamento, que é inteligência suprema, possa chegar a realização da acção? O que é que vão fazer: esperar pelo futuro, esperar que o meio seja aperfeiçoado através de algum milagre, através da acção de outra pessoa; ou tornarem-se tão intensamente conscientes, através do vosso próprio conflito com o meio, que não há possibilidade de fuga, que há plenitude de acção?
Para a maior parte das pessoas é este o problema: simplesmente esperar, marcar passo; ou serem capazes de discernir o verdadeiro significado da vida com os seus conflitos e sofrimentos, e não criar um novo conjunto de estupidezes, um novo conjunto de ilusões, e por isso viver directa e simplesmente. Uma coisa leva à completa desordem, superficialidade, aborrecimento, a vidas tão superficiais como as que levam a maior parte das pessoas, seja na intensidade do trabalho ou na falta dele. A outra, ao êxtase da imortalidade.
Em todo o lado há desespero, há espera por alguma acção, há espera que os governos mudem as condições. E, entretanto, as vossas próprias vidas tornam-se cada vez mais superficiais, insípidas, com todas as inanidades da sociedade moderna e as inanidades das chamadas pessoas espirituais.
Conforme disse no início da minha palestra, a inteligência é a única solução que trará harmonia a este mundo de conflito, harmonia entre a mente e o coração. Nenhum sistema, a mera alteração do meio, irá alguma vez libertar o homem da ignorância e da ilusão, que são as causas do sofrimento. Vocês próprios, através da vossa própria consciência, na vossa própria plenitude, podem discernir o verdadeiro significado destas muitas barreiras limitativas. Só isto trará inteligência duradoura, que revelará a imortalidade.