Penso que a maior parte das pessoas perdeu a arte de escutar. Vêm com os seus problemas particulares, e pensam que ouvindo a minha palestra os seus problemas serão resolvidos. Receio que isso não vá acontecer; mas se souberem como escutar, então começarão a compreender o todo, e a vossa mente não ficará enredada no particular.
Portanto, se mo permitem sugerir, não tentem a partir desta palestra procurar uma solução para o vosso problema particular, ou um alívio para o vosso sofrimento. Posso ajudá-los, ou antes ajudar-se-ão a vocês próprios somente se pensarem de uma maneira nova, criativamente. Considerem a vida, não como vários problemas isolados, mas compreensivamente, como um todo, com uma mente que não está sufocada pela procura de soluções. Se escutarem sem a carga dos problemas, e tiverem uma perspectiva abrangente, verão então que o vosso problema particular tem um significado diferente; e embora possa não ser resolvido de imediato, começarão a ver a sua verdadeira causa. Ao pensar de uma maneira nova, ao reaprender a pensar, chegará a dissolução dos problemas e conflitos com os quais a mente e o coração estão sobrecarregados, e a partir dos quais surge toda a desarmonia, dor e sofrimento.
Ora bem, cada um, mais ou menos, está consumido pelos desejos cujos objectos variam de acordo com o meio, com o temperamento e com a herança. De acordo com a vossa situação particular, a vossa criação e educação específica, religiosa, moral e económica, estabeleceram determinados objectivos cuja consecução procuram incessantemente, e esta procura tornou-se soberana nas vossas vidas.
Uma vez estabelecidos estes objectivos, surgem naturalmente os especialistas que actuam como orientadores no sentido da consecução dos vossos desejos. Por isso a perfeição da técnica, a especialização, torna-se um meio de obter a vossa finalidade; e para obterem esse fim, que estabeleceram através do vosso condicionamento religioso, económico e social, têm que ter especialistas. Portanto a vossa acção perde o seu significado, o seu valor, porque estão interessados na consecução de um objectivo, não na realização da inteligência que é acção; estão interessados em chegar, não naquilo que é em si realização. Viver torna-se simplesmente um meio para um fim, e a vida uma escola na qual aprendem a alcançar um fim. A acção torna-se por isso apenas um meio através do qual podem chegar a esse objectivo que estabeleceram através dos vossos vários meios e condições. Assim, a vida torna-se uma escola de grande conflito e luta, nunca uma coisa de realização, de riqueza, de plenitude.
Depois começam a perguntar qual é a finalidade, o objectivo de viver. Isto é o que a maior parte das pessoas perguntam; é isto que está na mente da maior parte das pessoas aqui. Porque é que estamos a viver? Qual é a finalidade? Qual é a meta? Qual é o objectivo? Preocupam-se com o objectivo, com a finalidade, mais do que com viver o presente; ao passo que um homem que se realiza nunca investiga a finalidade porque a própria realização é suficiente. Mas como vocês não sabem como realizar-se, como viver completamente, ricamente, suficientemente, começam a investigar o objectivo, a meta, a finalidade, porque pensam que conhecendo a finalidade podem então enfrentar a vida – pelo menos vocês pensam que podem conhecer a finalidade – e depois, conhecendo-a, esperam usar a experiência como um meio em direcção a essa finalidade; por isso a vida se torna um meio, uma medida, um valor para chegar a essa consecução.
Consciente ou inconscientemente, sub-repticiamente ou abertamente, uma pessoa começa a investigar sobre o objectivo da vida, e cada uma recebe uma resposta dos assim chamados especialistas. O artista, se lhe perguntarem qual é o objectivo da vida, dir-lhes-á que é a auto-expressão através da pintura, da escultura, da música, ou da poesia; o economista, se lho perguntarem, dir-lhes-á que é o trabalho, a produção, a cooperação, o viver em conjunto, funcionando como um grupo, como sociedade; e se perguntarem ao beato ele dir-lhes-á que o objectivo da vida é procurar e realizar Deus, viver de acordo com as leis ditadas pelos instrutores, pelos profetas, pelos sábios, e que vivendo de acordo com as suas leis e decretos poderão realizar essa verdade que é Deus. Cada especialista dá-lhes a sua resposta sobre o objectivo da vida, e de acordo com o vosso temperamento, fantasias e imaginação vocês começam a estabelecer estes objectivos, estas finalidades, como os vossos ideais.
Tais ideais e finalidades tornaram-se simplesmente num porto de abrigo porque vocês utilizam-nos para se orientarem e protegerem nesta confusão. Começam assim a usar estes ideais para medir as vossas experiências, para investigar as condições do vosso meio. Fazem-no sem o desejo de compreender ou de realizar, simplesmente para investigar o objectivo do meio; e na descoberta esse objectivo, de acordo com o vosso condicionamento, as vossas ideias preconcebidas, apenas evitam o conflito de viver sem compreensão.
A mente dividiu, portanto, a vida em ideais, objectivos, culminações, consecuções, finalidades; e em confusão, conflito, perturbação, desarmonia; e finalmente no eu, vocês próprios, a auto-consciência. Isto é, a mente separou a vida nestas três divisões. Vocês estão presos na confusão e assim, através desta confusão, deste conflito, desta perturbação que é sofrimento, trabalham para a finalidade, para o porto de abrigo, para a consecução do ideal; e estes ideais, estas finalidades, estes refúgios foram concebidos pelos especialistas económicos, religiosos e espirituais.
Assim, estão, por um lado, a vadear através das condições e do meio, e a gerar conflito enquanto, pelo outro, tentam realizar ideais, objectivos e consecuções que se tornaram refúgios e abrigos. A própria investigação sobre o objectivo da vida indica a falta de inteligência no presente; e o homem que é plenamente activo – não perdido em actividades, como a maior parte dos Americanos, mas plenamente activos, inteligentemente, emocionalmente, completamente vivos – ter-se-á realizado. Por isso a investigação sobre um fim é inútil, porque não existe tal coisa como um fim ou um princípio; existe simplesmente o movimento contínuo do pensar criativo, e aquilo a que chamam problemas são os resultados de vadearem nesta confusão em direcção a uma culminação. Isto é, estão interessados em superar esta confusão, em como se ajustarem ao meio para chegar a um fim. Toda a vossa vida é um interesse por isso, não por vocês próprios e pela meta. Não se interessam por isso, interessam-se pela confusão, como passar através dela, como dominá-la, como vencê-la e portanto como evadi-la. Querem chegar a essa evasão perfeita a que chamam ideais, a esse refúgio perfeito a que chamam o objectivo da vida, e que é simplesmente uma fuga da confusão presente.
Naturalmente, quando procuram vencer, dominar, evadir, e chegar a essa derradeira meta, surge a procura de sistemas e dos seus líderes, guias, instrutores, e especialistas; para mim são todos exploradores. Os sistemas, os métodos, e os seus instrutores, e todas as complicações das suas rivalidades, engodos, promessas e enganos, criam divisões na vida conhecidas por seitas e cultos.
É isso o que está a acontecer. Quando procuram uma consecução, um resultado, um domínio da confusão, e não têm em consideração o “eu”, a consciência do “eu”, e o fim que interminavelmente e consciente ou inconscientemente procuram, têm naturalmente que gerar exploradores, sejam do passado ou do presente; e ficam presos na sua mesquinhice, nas suas invejas, nas suas disciplinas, nas suas desarmonias e nas suas divisões. Portanto o mero desejo de passar através desta confusão gera sempre mais problemas, porque não se tem em consideração o actor ou o modo da sua acção, mas unicamente a cena da confusão como um meio para chegar a um fim.
Ora para mim, a confusão, o fim, e o “eu” são o mesmo; não há divisão. Esta divisão é artificial, e é criada pelo desejo de obter, pela procura de uma acumulação aquisitiva, que nasce da insuficiência.
Tornando-nos conscientes do vazio, da superficialidade, começamos a compreender a total insuficiência do nosso próprio pensamento e sentimento, e portanto surge no nosso pensamento a ideia de acumulação, e daí nasce esta divisão entre o “eu”, a auto-consciência, e o fim. Para mim, conforme disse, não pode haver tal distinção, porque no momento em que se realizam já não podem existir o actor e o acto, mas somente esse movimento criativo do pensar que não procura um resultado, e há portanto um viver contínuo, que é imortalidade.
Mas vocês dividiram a vida. Vamos considerar o que é este “eu”, este actor, este observador, este centro de conflito. Não é senão um longo e contínuo rol de memória. Discuti a memória muito cuidadosamente nas minhas palestras anteriores, e não posso agora entrar em detalhes. Se estiverem interessados, lerão o que eu disse. Este “eu” é um rol de memória em que há acentuações. A estas acentuações ou depressões chamamos complexos, e agimos a partir deles. Isto é, a mente, estando consciente da insuficiência, procura uma obtenção e por isso cria uma distinção, uma divisão. Uma mente assim não pode compreender o meio, e como não o pode compreender, tem que confiar na acumulação da memória para sua orientação; porque a memória é simplesmente uma série de acumulações que actuam como um guia em direcção a um fim. É este o objectivo da memória. A memória é a falta de compreensão; essa falta de compreensão é o vosso contexto e é daí que procede a vossa acção.
Esta memória actua como um guia em direcção a um fim, e esse fim, sendo preestabelecido, é simplesmente um refúgio auto-protector a que chamamos ideais, consecução, verdade, Deus ou perfeição. O princípio e o fim, o “eu” e a meta, são os resultados desta mente auto-protectora.
Expliquei como nasce uma mente auto-protectora; ela nasce como o resultado da consciência ou do conhecimento do vazio, do vácuo. Por isso começa a pensar em termos de consecução, de aquisição, e é a partir daí que começa a funcionar, dividindo a vida e restringindo as suas acções. Portanto o fim e o “eu” são o resultado deste mente auto-protectora; e a confusão, o conflito e a desarmonia são simplesmente o processo de auto-protecção, e nascem desta auto-protecção, espiritual e económica.
Espiritualmente e economicamente vocês procuram segurança, porque confiam na acumulação das riquezas para a vossa compreensão, para a vossa plenitude, para a vossa realização. E portanto o astuto, tanto no mundo espiritual como no económico, explora-os, porque ambos procuram poder glorificando a auto-protecção. Portanto, cada mente faz um esforço tremendo para se proteger, e o fim, os meios, e o “eu” nada mais são que o processo de auto-protecção. O que acontece quando existe este processo de auto-protecção? Tem que haver conflito com as circunstâncias, a que chamamos sociedade; há o “eu” a tentar proteger-se do colectivo, do grupo, da sociedade.
Ora bem, o contrário disso não é real. Isto é, não pensem que se cessarem de se proteger ficarão perdidos. Pelo contrário, estarão perdidos se se protegerem devido à insuficiência, devido à superficialidade do pensamento e do afecto. Mas se simplesmente cessarem de se proteger porque pensam que através disso vão encontrar a verdade, isso será novamente outra forma de protecção.
Portanto, como através dos séculos edificamos, geração após geração, esta roda da auto-protecção, espiritual e económica, vamos descobrir se a protecção espiritual ou económica é real. Talvez economicamente possam defender a auto-protecção por um tempo. O homem que tem dinheiro e muitas posses, e que assegurou confortos e prazeres para o seu corpo, é geralmente, se observarem, muito insuficiente e pouco inteligente, e procura às apalpadelas a assim chamada protecção espiritual.
Vamos contudo indagar se realmente existe a auto-protecção espiritual, porque economicamente vemos que não há segurança. A ilusão da segurança económica é demonstrada em toda a parte do mundo por estas depressões, crises, guerras, calamidade, e caos. Reconhecemos isto, e por conseguinte voltamo-nos para a segurança espiritual. Mas para mim não existe segurança, não existe auto-protecção, e jamais poderá existir. Eu digo que só existe sabedoria, que é compreensão, não protecção. Isto é, a segurança, a auto-protecção, são o resultado da insuficiência, em que não há inteligência, em que não há pensamento criativo, em que há uma batalha constante entre o “eu” e a sociedade, batalha essa em que os astutos os exploram cruelmente. Enquanto houver a procura de auto-protecção tem que haver conflito, e portanto não pode haver compreensão, não pode haver sabedoria. E enquanto esta atitude existir, a vossa procura da espiritualidade, da verdade, ou de Deus é infrutífera, inútil, porque é apenas a procura de maior poder, maior segurança.
Só quando a mente, que se refugiou atrás dos muros da auto-protecção, se liberta das suas próprias criações é que pode existir essa refinada realidade. Afinal, estes muros da auto-protecção são as criações da mente que, consciente da sua insuficiência, edifica estes muros de protecção, e se refugia por trás deles. Edificamos, consciente ou inconscientemente, estas barreiras, e a nossa mente está tão estropiada, tão limitada, tão presa, que a acção traz maior conflito, mais perturbações.
Portanto a mera procura de uma solução para os vossos problemas não vai libertar a mente de gerar mais problemas. Enquanto este centro de auto-protecção, nascido da insuficiência, existir, tem que haver perturbações, sofrimento e dor tremendos; e não podem libertar a mente do sofrimento disciplinando-a para não ser insuficiente. Isto é, não se podem auto-disciplinar, ou ser influenciados pelas condições e pelo meio, para não serem superficiais. Vocês dizem para si próprios, “Sou superficial; reconheço o facto, e como me vou livrar disso?” Eu digo que não procurem livrar-se disso, que é apenas um processo de substituição, mas tornem-se conscientes, tenham consciência do que é que está a causar esta insuficiência. Não podem compeli-la, não podem força-la; não podem influenciá-la por um ideal, por um medo, pela procura de divertimento e poderes. Só podem descobrir a causa da insuficiência através da consciência. Isto é, olhando para o meio e trespassando o seu significado as subtilezas astuciosas da auto-protecção revelar-se-ão.
Afinal, a auto-protecção é o resultado da insuficiência, e como a mente foi treinada, ficou presa nesta dependência durante séculos, não a podem disciplinar, não a podem dominar. Se o fizerem, perdem o significado dos enganos e as subtilezas do pensamento e da emoção por trás das quais a mente se refugiou; e para descobrir estas subtilezas têm que se tornar conscientes.
Ora estar consciente não é alterar. A nossa mente está habituada à alteração que é simplesmente modificação, ajustamento, é tornar-se disciplinada a uma condição; ao passo que se estiverem conscientes, descobrirão o pleno significado do meio. Não há portanto modificação, mas total libertação desse meio. Só quando estes muros de protecção são destruídos na chama da consciência, na qual não há modificação ou alteração ou ajustamento, mas completa compreensão do significado do meio com todas as suas delicadezas e subtilezas – só através dessa compreensão existe o eterno; porque aí não há o “eu” a funcionar como um foco auto-protector. Mas enquanto esse foco auto-protector a que chamam “eu” existir, tem que haver confusão, tem que haver perturbação, desarmonia e conflito. Não podem destruir estes obstáculos disciplinando-se a si próprios ou seguindo um sistema ou imitando um padrão; só os podem compreender, com todas as suas complicações, através da consciência plena da mente e do coração. Nessa altura há um êxtase, há aquele movimento vivo da verdade, que não é um fim, não é uma culminação, mas um viver sempre criativo, um êxtase que não pode ser descrito, porque toda a descrição o destrói. Enquanto não forem vulneráveis à verdade, não há êxtase, não há imortalidade.